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CAROLINA LINHARES - Paulo Hartung (ex-MDB), governador do Espírito Santo, comeu "um saco de sal grosso", mas pôde atestar, antes de encerrar sua gestão e a carreira política neste ano, que "as recompensas não tardam para quem se desvia dos atalhos das facilidades ilusórias e enganadoras".
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É assim que ele descreve a travessia que expõe no livro "Espírito Santo - Como o governo capixaba enfrentou a crise, reconquistou o equilíbrio fiscal e inovou em políticas sociais", que será lançado nesta quinta-feira (13).
O compromisso com o ajuste fiscal, ou seja, o corte de gastos para enquadrar a queda de receitas devido à crise econômica, que é a tônica do livro, persiste também no lançamento da obra: sem eventos, haverá apenas a disponibilização para compra online da versão digital na Amazon por cerca de R$ 19.
A própria empresa americana ficará encarregada de fazer a impressão caso o consumidor ordene o livro impresso. "Fica uma coisa mais dentro da atualidade", diz Hartung à reportagem.
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O livro lembra, principalmente em artigo de Ana Paula Vescovi, que foi secretária da Fazenda no estado e hoje é secretária Executiva do Ministério da Fazenda, que a necessidade de colocar as contas públicas em ordem e de buscar um novo modelo de gestão, obsessão dos candidatos de Norte a Sul nestas eleições, ficou maquiada no debate eleitoral de 2014.
Foi a partir do impeachment de Dilma Rousseff (PT), justamente por uma irregularidade fiscal, e do agravamento da recessão que a discussão se impôs no país. O livro prega que o Espírito Santo, único estado a receber nota máxima da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) quanto à capacidade de pagamento, despontou como vanguarda "trilhando a boa e justa caminhada daqueles que fizeram o dever de casa no tempo certo e na medida correta".
"Hoje tem um modelo que dá certo, o Espírito Santo é uma boa referência nesse quadro, e tem o modelo que dá errado, que é essa coisa de não enfrentar os problemas com medo de incompreensão", afirmou o governador.
Após ter sido governador três vezes (2003-2010 e 2015-2018), além de senador, deputado e prefeito, Hartung quer, a partir do ano que vem, "apresentar ao país boas propostas" e provocar "um tensionamento da agenda na direção das propostas corretas". "O país não pode esperar 2022. O país não aguenta mais esticar essa crise."
Na avaliação de Hartung, porém, o compromisso de Jair Bolsonaro (PSL), presidente eleito, com essa agenda reformista não está claro.
"A impressão que me dá é que tem dois governos. Estou vendo um bate-cabeça. Há dois pensamentos, um mais reformista e um mais ligado às corporações", diz o governador. "É muito importante que governo se encontre e tenha proposta clara para os problemas cruciais do país."
Segundo Hartung, a eleição e a indicação de Sergio Moro como ministro da Justiça deram a Bolsonaro capital político suficiente para, aliado à tolerância da população e do Congresso típicas de um início de governo, implementar reformas, como a da Previdência.
"O inimigo desse governo é o tempo. Capital político é como validade de remédio, se você não usa, desaparece daqui a pouco", diz.
"Se o governo está achando que vai manter o prestígio da eleição com essa aliança corporativa, não vai. Só mantém prestígio se colocar a economia para crescer e gerar emprego", afirma Hartung ao ser questionado sobre a disposição de Bolsonaro em enfrentar privilégios das classes militares, por exemplo.
Para o governador, ceder ao aumento dos salários diante da greve da Polícia Militar de 2017 seria ceder ao corporativismo. No período, 227 pessoas morreram no estado.
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"Não tínhamos como ampliar quaisquer gastos sem impor ao conjunto da população capixaba as graves consequências do descontrole das contas públicas, comprometendo serviços básicos e essenciais a todos. A escolha era clara, entre privilegiar demandas corporativas ou atender os interesses coletivos dos cidadãos", escreve no livro, que trata brevemente do episódio.
Hartung classifica a greve de "tentativa irresponsável de destabilização", "movimento inadmissível" e "afronta ao Estado democrático de Direito".
Na época, Bolsonaro gravou um vídeo dizendo que os governos "não podem se prevalecer da disciplina do militar para subjugá-lo". Hartung diz esperar que a postura do presidente eleito seja de abrir igualdade de oportunidades e não manter desigualdades.
"No discurso de diplomação, ele se coloca como presidente de todos os brasileiros. Para isso, vai ter que soltar as amarras corporativas."
Hartung declarou apoio a Geraldo Alckmin (PSDB) no primeiro turno e tinha simpatia por outros representantes da agenda reformista, Marina Silva (Rede) e Henrique Meirelles (MDB), mas essa proposta não chegou ao segundo turno. O governador, então, votou em Fernando Haddad (PT) "pela questão democrática".
"Mas a minha preocupação da época da campanha não está presente hoje. A escolha do Moro ajudou a mostrar que há compromisso com a Constituição Federal, as leis e a democracia", diz.
No Espírito Santo, Hartung não buscou um novo mandato. Entregará o governo para seu antecessor, Renato Casagrande (PSB), que é implicitamente criticado no livro, quando se fala em descontrole das contas na gestão anterior.
"Temos que olhar para frente e não para trás. Nada impede que o novo governo trilhe um caminho fiscal equilibrado", minimiza Hartung. O clima na transição é de cooperação.
Para o governador, seu livro serve a dois propósitos: "demonstrar que é possível melhorar a contraprestação de serviços públicos no Brasil, mesmo com o obstáculo de uma estrutura pública, de leis e regulamentos, pré-histórica". E "quebrar um paradigma na discussão brasileira, de que é possível fazer ajuste fiscal e fazer políticas sociais ao mesmo tempo".
"Quem cuida das contas é que tem capacidade de cuidar das pessoas", diz. A obra, ao dedicar um capítulo para cada área da administração pública, como saúde e educação, por exemplo, funciona como um registro histórico de feitos do governo -a obtenção das melhores notas no ensino médio no país, por exemplo.
Também dá dicas de liderança. "Fácil é fazer o errado, levianamente esperando alguma satisfação momentânea, mas que cedo ou tarde entrega mesmo é muita dor de cabeça. Como bem sabemos, essa é a história do populismo no Brasil e na América Latina. Aliás, esta é a nossa visão do que deve ser um líder: aquele que, na encruzilhada do certo com o fácil, não hesita em trilhar o caminho que leva ao rumo da superação consistente, ainda que seja o mais desafiante."
O governador tem sido procurado por governadores eleitos, como Romeu Zema (Novo-MG) e Eduardo Leite (PSDB-RS), para dar conselhos. "Não vejo problema de ser marinheiro de primeira viagem desde que, na montagem da equipe de governo, tenha gente que complemente o conhecimento do setor público", recomenda Hartung aos novatos.
Ele deixou o MDB em novembro e não pretende se filiar a outro partido. Será conselheiro do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), voluntário na formação de líderes em organizações de renovação política, como o Renova e o Agora!, militante do Todos pela Educação e foi convidado para fazer parte de conselhos de empresas privadas.
Hartung também é autor de "Recortes" (2012), "O Espírito Santo no Debate Nacional" (2000) e "Os Caminhos de Vitória" (1997). Com informações da Folhapress.