© Ramon Vasconcelos/Rede Globo
A atriz, escritora e diretora Fernanda D'Umbra, 47, pode ser vista em duas produções que abordam o universo feminino sob perspectivas bem distintas. Na primeira, ela interpreta Mariana, protagonista da série "Mothern" (2007, GNT), uma comédia que mostra o cotidiano de quatro mulheres que descobrem o real significado da maternidade.
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Já na série "Assédio", disponível na Globoplay, Fernanda é uma das vítimas de abuso sexual do médico Roger Sadala (Antonio Calloni). De autoria de Maria Camargo, a minissérie tem dez capítulos e é inspirada na história real do médico Roger Abdelmassih, condenado a 181 anos de detenção pelo estupro de 48 pacientes.
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Fernanda D'Umbra comenta sobre a importância de representar em uma série que trata de um tema tão pesado, que também ganhou forte depois do movimento internacional #MeToo, no qual as atrizes revelaram os casos de assédio sofridos durante as gravações por atores e diretos. "Meu jeito de entender o abuso sexual e suas terríveis consequências nunca mais será o mesmo", afirmou a atriz.
Com mais casos de abuso surgindo no Brasil, como o de João de Deus, a atriz reafirma a importância de ter uma história como a série "Assédio". "O medo de ser desacreditada é a segunda violação", afirma a atriz. O médium foi recentemente preso após ser acusado de abuso sexual por mais de 500 mulheres, que, por anos, tiveram medo de denunciá-lo.
Com mais de 30 anos de carreira, D'Umbra já esteve envolvida em mais de cem espetáculos teatrais. Ela subiu ao palco aos 15 anos e nunca mais saiu de lá. Ela, que também é cantora, conversou com o portal F5, da Folha de S.Paulo, para falar sobre seus personagens e sobe o novo disco com a banda Fábrica de Animais, que deve ser lançado em 2019.
F5 - Há quanto tempo você se dedica ao teatro?
Fernanda D'Umbra: Comecei a fazer teatro aos 15 anos e nunca mais parei. Portanto, tenho hoje 32 anos de palco. Não venho de uma família de artistas. Fiz mais de cem espetáculos e trabalhei com grandes companhias, além de desenvolver projetos pessoais. Não sigo um estilo exatamente, mas procuro ser uma atriz instrumentalizada: danço, canto e principalmente leio muito.
A linguagem escrita é na maioria das vezes meu ponto de partida, portanto, tenho que ter muita intimidade com ela e só há um jeito: ler. Além disso, o corpo manda por aqui. Sem ele não há cena. Meu corpo é muito trabalhado para o palco. Costumo dizer quando estou dirigindo: "todas as suas células estão no palco, não use apenas seus braços. O que eu acho mais importante é se manter em cena com ousadia, vivendo emocionalmente e financeiramente do seu trabalho. O resto não importa.
O que mudou para você participar dessa série?
Estreei na televisão como protagonista da série "Mothern", dirigida por Luca Paiva, e fiz outras tantas como atriz e roteirista, trabalhando para várias produtoras de São Paulo. Trabalhar com a equipe de roteiro coordenada pela Maria Camargo e com a direção da Amora Mautner [de "Assédio" (Gloplay)] foi avassalador porque trata de um tema dificílimo, com cenas pesadas e um elenco muito poderoso.
Meu jeito de entender o abuso sexual e suas terríveis consequências nunca mais será o mesmo. Foi muito importante como atriz fazer uma das vítimas, porque meu corpo e minha voz estavam ali contando aquela história.
Já sentiu retorno do público de uma plataforma digital que é tão diferente da resposta imediata do teatro?
Sim, falam comigo na rua. Muitos amigos me ligam para comentar sobre os episódios e a internet está tomada de comentários sobre a série. O retorno é diferente do teatro, mas é possível imaginar a reação do público ao se deparar com aquelas cenas. Não é fácil, mas nem tudo precisa ser. Revelar o horror também faz parte do nosso trabalho.
Mais casos de assédio têm sido revelados. Acredita que estamos em tempos de mais união das mulheres?
Das mulheres e dos homens. Todos temos que nos unir contra isso. O machismo é uma estrutura e envolve toda a sociedade. Determina padrões de comportamento, leis, crenças e estraçalha os seres humanos. Quando envolve saúde e espiritualidade, como no caso do Roger (que sempre citava a religião) e de João de Deus, ficamos especialmente tocados com a vulnerabilidade das vítimas, mas o machismo está em todas as instituições: no governo, nas artes, no mundo corporativo, na imprensa, na nossa casa, na rua, nos restaurantes, a lista é infinita. Ele mata mulheres, destrói vidas, promove tristeza e dor. É um abismo e precisamos parar de caminhar em sua direção.
Qual foi sua experiência em relação a vivenciar a culpa sentida por essas mulheres e o medo de serem desacreditadas?
O medo de ser desacreditada é a segunda violação. Por isso, nos dois casos aqui citados a união das vítimas fez toda diferença. Você se sente forte quando faz parte de um coro de vozes. Mas isso não deve ser regra. Uma voz solitária também deve ser ouvida e os fatos precisam ser apurados. Acho que estamos caminhando para esse dia. Fazendo a série pude sentir o poder destruidor do silêncio. Ele arrasou com muitas vidas e o medo das vítimas foi importante para que o algoz pudesse seguir seu caminho macabro. Nada de bom vem do machismo. Para ninguém.
O que você planeja para 2019?
Vou gravar um novo disco da Fábrica de Animais, banda da qual sou vocalista e estrear um novo espetáculo: "Dirija com Segurança", de Priscila Gontijo. São três solos que falam de possibilidades de fuga. Uma peça pesada e divertida na mesma proporção. Para mim, será um trabalho bem puxado porque faço os três solos, mas isso é fabuloso.