© Adriano Machado / Reuters
O governo de Jair Bolsonaro herdou duas importantes pendências ligadas à tecnologia digital: a aprovação do Plano Nacional de Internet das Coisas (IoT) e ajustes na Autoridade de Proteção de Dados Pessoais (ANPD).
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Ainda sem pronunciamento sobre as regulações, a condução dessas políticas é uma incógnita para o setor.
Os estudos para o Plano Nacional de Internet das Coisas iniciaram no início de 2017 e um decreto assinado pelo ex-presidente Michel Temer era aguardado até o último dia de seu mandato.
O plano visa fomentar o desenvolvimento de tecnologias em saúde, cidades, agropecuária e indústria, atraindo investimentos privados com o apoio de políticas públicas.
O BNDES já liberou linhas de crédito para interessados e abriu, no meio do ano passado, uma seleção de projetos com orçamento de R$ 20 milhões não reembolsáveis.
"Parte do financiamento e os estudos sobre internet das coisas está feito. Precisamos correr, se não perderemos mais uma vez o bonde da história. Existe uma demanda de grandes indústrias e o Brasil ainda pode ser referência", diz Ricardo Thiel, representante da Assespro (Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação).
O governo contava com a projeção de que a internet das coisas (ambientes com objetos conectados entre si e à internet) gerasse um impacto de US$ 50 bilhões e US$ 200 bilhões na economia brasileira até 2025.
"O decreto deve sair até o Carnaval", diz Thiel. Nos bastidores, o que travou o avanço do decreto foram as previsões de isenções fiscais.
Já a proteção de dados pessoais, objeto de lei sancionada em agosto, dependia da criação de uma autoridade reguladora.
Em um de seus últimos atos, Temer editou uma Medida Provisória criando a autoridade, mas diminuindo o status de agência (como Cade e Anvisa, por exemplo) para um órgão vinculado à Casa Civil, menos independente.
O Congresso debaterá a medida nos próximos meses, e caberá a Bolsonaro indicar os cinco nomes para a direção máxima do órgão. Essas pessoas responderão por decisões da autoridade, como a aplicação de multas de até R$ 50 milhões a empresas que não cumprirem a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.
Apesar de serem assuntos diferentes -um regulamento fomenta o investimento tecnológico e outro a proteção de dados -, as duas normas foram encaradas como políticas aliadas até agora, tanto no governo de Dilma Rousseff como de Michel Temer.
Para especialistas, seria falho um plano de IoT sem uma autoridade de proteção de dados técnica, capaz de fiscalizar questões de privacidade relativas ao setor público e privado.
Há um receio de que o governo militarize o órgão, destoando do equilíbrio de diferentes interesses que a lei conquistou depois de longo debate.
"De um lado, temos Paulo Guedes com um viés liberal. De outro, militares, com uma visão de internet ligada ao controle e à ordem. Noutro pilar, Sérgio Moro, com a agenda anticorrupção que é extremamente ligada à coleta de provas para a investigação no ambiente digital", diz Fabrício Motta, advogado e professor de privacidade e proteção de dados pessoais no IDP.
"É difícil saber como essas forças vão dialogar", acrescenta.
Apesar de o assunto não ter entrado na pauta do governo federal até agora, o debate de proteção de dados já envolveu o GSI, que quis abraçar a ANPD, hipótese extinta mais tarde.
Além disso, a nomeação de militares em órgãos civis é uma marca do novo governo, incluindo tecnologia. Marcos Pontes, ministro da pasta, é tenente-coronel da reserva da Força Aérea.
André Giacchetta, do Pinheiro Neto, escritório que advoga para grandes empresas de tecnologia, minimiza o risco de nomeações políticas e não técnicas para a autoridade, apesar de não descartar essa possibilidade.
"É um tema que tem relevância para o governo Bolsonaro. Mesmo que ele não fale sobre isso, há outros assuntos que direta ou indiretamente estão ligados à utilização de dados e que precisam de condução técnica. A MP não colocou a autoridade na estrutura do GSI, então vejo isso com tranquilidade", diz.
O maior problema, ele diz, é que o Congresso não aprove a MP e a autoridade seja postergada novamente.
"Até agora, os dois assuntos são uma incerteza. As empresas esperam que a autoridade cumpra o papel de ajudá-las a adequar suas atividades ao que a lei exige. O receio é a questão da independência que esse assunto vai ter", diz Gabriel Paiva, advogada da Trench Rossi Watanabe.
Parlamentares têm até abril para debater a questão. Com informações da Folhapress.