Entenda os indicadores que explicam a violência e o armamento no país

Bolsonaro facilitou a posse de armas no Brasil e quer flexibilizar o porte

© Ricardo Moraes / Reuters

Brasil Decreto 18/01/19 POR Folhapress

Com o decreto que facilitou o acesso às armas no país, cresceu o debate sobre a possível relação entre homicídios e controle de armamento.

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De um lado, defensores do desarmamento afirmam que menos armas implicam menos mortes, ao passo que os contrários dizem que o Estatuto do Desarmamento não teve efeito sobre as taxas de homicídio no Brasil. Em 2016, o país bateu o recorde de mortes violentas, com 30,3 registros a cada 100 mil habitantes.

O decreto assinado por Jair Bolsonaro (PSL) na última terça-feira (15) era uma de suas promessas de campanha. O presidente afirmou que foi 'apenas o primeiro passo'. Agora, o governo quer mais tempo para aprovar mecanismos que flexibilizem o porte de armamentos.Abaixo, veja indicadores, gráficos e estudos sobre armas e violência no país:

HOMICÍDIOS CAÍRAM APÓS ESTATUTO, MAS VOLTARAM A SUBIR

Um dos principais argumentos dos que são contrários a facilitar o acesso às armas é a queda no índice de homicídios nos anos seguintes ao Estatuto do Desarmamento. De acordo com dados do Atlas da Violência, publicação do Ipea e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública que analisa as estatísticas de assassinato no Brasil, a taxa de mortes por 100 mil habitantes caiu 10% entre 2003, ano de aprovação da lei, e 2007.

Defensores do desarmamento apontam o estatuto como o principal responsável por esse fenômeno. Os contrários, por sua vez, ressaltam que as taxas voltaram a subir a partir de 2008, e em 2016 alcançaram o recorde de 30,3 a cada 100 mil pessoas.

A variação dos homicídios causados por arma de fogo é expressiva -aqueles causados por outros meios se mantêm relativamente estáveis desde 1980.

AO MESMO TEMPO, CRESCERAM OS REGISTROS DE LESÃO CORPORAL

Nem todos os crimes violentos apresentaram queda após a aprovação do estatuto. Estudo de Daniel Cerqueira, do Ipea, e de João P. de Mello, do Insper, analisou a criminalidade no estado de São Paulo entre 2001 e 2007. Enquanto houve queda nos índices de homicídios e tentativa de homicídio, o número de ocorrências de lesão corporal teve alta expressiva nos dois anos seguintes.

A conclusão dos pesquisadores é que a forma como as pessoas passaram a resolver conflitos pessoais mudou. "A diminuição do acesso à arma de fogo fez com que os indivíduos envolvidos utilizassem instrumentos menos letais, como o próprio corpo, para a solução da contenda", diz o estudo.

PARA GOVERNO, VIOLÊNCIA JUSTIFICIA NECESSIDADE DA ARMA

O Estatuto do Desarmamento estabelece que é preciso comprovar a efetiva necessidade da arma para que a posse seja autorizada. Antes, cabia à Polícia Federal avaliar se o requerente do registro realmente tinha necessidade de ter uma arma. Agora, o governo federal estabeleceu o que é considerado necessidade efetiva e cita uma lista de categorias. Vale destacar duas delas:

Residentes de áreas rurais

Residentes de áreas urbanas de estados com índice de homicídios maior que 10 por 100 mil habitantes no Atlas da Violência de 2018 (que traz dados de 2016).

A unidade da Federação com menor taxa é São Paulo (10,9). O texto fixa o índice de 2016 como referência, e não pressupõe uma atualização anual.

Na prática, então, o decreto afirma que todas as pessoas do país podem declarar que têm necessidade efetiva de ter uma arma. O que será analisado é se são cumpridos os outros requisitos estabelecidos pelo estatuto: ser maior de 25 anos, ter ocupação lícita e residência certa, não ter sido condenado ou responder a inquérito ou processo criminal e comprovar a capacidade técnica e psicológica para o uso do equipamento.

MATA-SE MUITO COM ARMA DE FOGO NO BRASIL

A relação de homicídios por armas não caiu após a aprovação Estatuto do Desarmamento. Desde 1996, na verdade, cresceu 23%. A distribuição, contudo, é desigual pelo país. Na média, a proporção de mortes por armas de fogo é maior onde as taxas de mortes violentas são mais expressivas. Alguns estados, como Roraima e Minas Gerais, fogem à regra. 

Em 2016, cerca de 71% das mortes violentas no país foram causadas por armas de fogo, o que equivale a 44,5 mil mortos. Em comparação, no Canadá, essa proporção é de 34%.

AS VENDAS DE ARMAS LEGAIS TÊM OSCILADO...

Em referendo de 2005, previsto pelo Estatuto do Desarmamento, 63,94% dos brasileiros votaram contra a proibição do comércio legal de armas. A venda de armas tinha atingido seu pico histórico poucos anos antes, em 2001, quando 386 mil foram comercializadas. 

Após a aprovação da lei, em dezembro de 2003, os números caíram bastante: 30,5 mil em 2004 e 28,7 mil em 2007, menor valor desde 1998.

Mas as vendas voltaram a crescer, ainda que em ritmo muito menos acelerado que nos anos anteriores ao estatuto. Em 2018, até 22 de agosto, haviam sido vendidas 34.731 armas, cerca de seis por hora.

...MAS NÚMERO DE NOVAS LICENÇAS CRESCE ANO A ANO

Apesar da restrição à posse e ao porte feita pelo Estatuto do Desarmamento, o número de armas legais em circulação no Brasil não é baixo. 

Armamentos de pessoas físicas e acervo de colecionadores, atiradores e caçadores somavam, em janeiro de 2018, quase 620 mil itens –e havia mais 73 mil com servidores públicos, lojas de armas e membros das forças de segurança pública. 

Além disso, o número de novas licenças para pessoas físicas tem crescido consistentemente. Passou de 3.029, em 2004, para 33.031, em 2017. Os registros de caçadores, atiradores e atiradores desportivos também explodiram: em 2012, foram 27.549 e, em 2017, 57.886.

CONTUDO, MAIORIA DOS BRASILEIROS É CONTRA O ARMAMENTO

A maioria dos brasileiros é contra o direito de o cidadão se armar, segundo pesquisa Datafolha. Concordaram com a afirmação de que a posse de armas deve ser proibida, pois representa ameaça à vida de outras pessoas, 55% dos entrevistados. Para 41%, possuir uma arma legalizada deve ser um direito do cidadão, para que possa se defender.

PROPORÇÃO DE PESSOAS PRESAS POR PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO É PEQUENA

De acordo com o Cadastro Nacional de Presos, do Conselho Nacional de Justiça, menos de 5% dos presidiários do país estão na cadeia por posse, porte, disparo ou comércio de arma de fogo ilegal. Isso representa cerca de 30 mil presos, e configura o 5º tipo penal mais frequente.

DECRETO LIBERA ARMAS EM CASA, ONDE CRIMES SÃO MENOS FREQUENTES

Pela norma atual, só é permitido ter uma arma em casa ou no local de trabalho (desde que a pessoa seja proprietária do estabelecimento ou sua responsável legal). Mas dados da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo mostram que, em 2017, 2,5% dos roubos foram em residências e 5,9% em locais como lojas.

De janeiro a novembro de 2018, período mais recente disponibilizado, foram de 2,3% e 5%, respectivamente. Os percentuais desse crime específico variaram pouco desde 2014, início da série histórica divulgada pelo governo paulista. 

Segundo as estatísticas mais recentes da Secretaria de Segurança Pública, referentes aos primeiros sete meses de 2017, 21,7% dos homicídios dolosos (com intenção de matar) registrados em São Paulo ocorreram dentro de casas. O dado, no entanto, tem de ser analisado conforme o contexto. É que grande parte dos autores é, nesses casos, próximo da vítima e mora com ela. 

Críticos do armamento dizem que a possibilidade de reação das vítimas favoreceria desfechos letais em situações de invasão a casas e comércios. Favoráveis à liberação das armas dizem que esses dados servem de justificativa para ampliar as regras de porte de armas.

ESTUDO INDICA QUE GUARDAS ARMADAS PODEM TER CONTRIBUÍDO PARA REDUZIR ASSASSINATOS

Cidades que armaram suas guardas municipais após a permissão do Estatuto do Desarmamento, em 2003, apresentaram queda acentuada na taxa de homicídios e agressões, na comparação com municípios similares cujas guardas não usam armas.

Na média, houve uma redução na taxa de homicídios de 67 por 100 mil habitantes -na comparação com as cidades brasileiras que não armaram suas guardas. Em São Paulo, a queda foi de 31 homicídios por 100 mil habitantes.

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