© DR
O número de mortos em acidentes de trânsito na cidade de São Paulo ficou estável em 2018 em relação a 2017 - foram 884 vítimas, apenas uma a menos do que no ano anterior. O resultado interrompe uma sequência de diminuição de casos do tipo na capital. A causa disso é o crescimento de 18% nas mortes de motociclistas (360, no total). Técnicos da Prefeitura avaliam que a alta está ligada ao crescimento dos aplicativos de entrega por motoboys, que dão prêmios em dinheiro para quem faz mais viagens.
PUB
A tendência de redução, observada nos dois anos anteriores, se manteve entre ocupantes de ônibus (- 63%), ciclistas (- 40,5%) e pedestres (- 5,8%). No caso dos ocupantes de automóveis, também houve estabilidade: uma morte a mais no ano passado do que em 2017. Já o número de mortes de motociclistas foi o mais alto em três anos. Os dados são do Sistema de Informações Gerenciais de Acidentes de Trânsito de São Paulo (Infosiga), mantido pelo governo estadual.
+ Após hesitação, novo presidente do Inep, que cuida do Enem, é nomeado
Técnicos da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) ouvidos pela reportagem avaliam desde meados de 2018 o peso do aumento do mercado de apps de entrega por motoboys (como Rappi, Loggi, Uber Eats, iFood) nesse cenário. A prática de oferecer prêmios a quem faz mais entregas - vedada pela lei federal 12.436/2011 - estimula a direção imprudente. O estudo anual da CET sobre o trânsito ainda está em andamento.
Oficialmente, a companhia diz monitorar as estatísticas e o comportamento do trânsito "para nortear a implantação de medidas de segurança viária". Afirma ainda que, junto da Polícia Militar, "mantém a fiscalização para coibir abusos de velocidade e a imprudência de motociclistas, as maiores vítimas do trânsito na cidade".
A prática da oferta de prêmios, por outro lado, já foi alvo de ação judicial do Ministério Público do Trabalho, que será julgada no mês que vem contra a Loggi. Também motivou a abertura de inquéritos contra as empresas Rappi, iFood e outras, em andamento.
Na ação da Loggi, os procuradores Tatiana Campelo, Tatiana Somonetti e Rodrigo Castilho apontam os estímulos para aumento de viagens e outras violações à saúde do trabalho, como falta de tempo de descanso adequado. "O resultado disso é o aumento no número de acidentes de trânsito, nas despesas com previdência social e a sonegação de impostos", diz a ação, cujo foco é a relação trabalhista de apps e entregadores.
Estímulos
Esses prêmios não são bem vistos pela própria categoria, segundo o presidente do Sindicato dos Mensageiros Motociclistas de São Paulo (Sindimotosp), Gilberto de Almeida dos Santos. "O principal problema é que essas empresas trazem gente muito nova, sem experiência, sem cursos. E, com esses estímulos, esse pessoal é colocado para correr", diz.
Mensagens com esses estímulos são disparadas por SMS. Em outubro, uma das mensagens, atribuída à empresa Uber Eats dizia: "Ganhe 570 reais completando 44 entregas ou ganhe 80 reais completando 26 entregas". Outra, atribuída à Rappi, dava "incentivo especial" de R$ 50 para quem fizesse cinco entregas em duas horas. "Garanta o presente da garotada hoje", dizia o texto, de 11 de outubro.
Muitos dos que tentam acompanhar esse ritmo se acidentam. Motoboy há 10 anos, Rafael Silva, de 36 anos, faz entregas por app à noite. "Tem de prestar muita atenção no celular porque é rua de bairro, coloca sua vida em risco. E tem de acelerar para pegar pedido porque o tempo é pouco. Dão 10 minutos para chegar no restaurante e, se passar 30 segundos, cancelam." O acidente mais grave que sofreu foi há quatro meses, quando um carro atingiu sua perna em uma entrega. "Fiquei 45 dias sem trabalhar. Deu inchaço no tornozelo, afetou a veia. Tive de fazer cirurgia."
Emerson Souza, de 29 anos, aderiu aos apps há nove meses. "Dependendo do lugar, se é longe e tem muito trânsito, tem de sair cortando, passando farol vermelho, fazendo gato para poder chegar rápido nos restaurantes", conta ele.
Apps
À reportagem, o iFood disse promover "ações para garantir a qualidade de vida e segurança dos entregadores". Afirmou ainda que "reforça aos operadores logísticos parceiros e aos restaurantes com entregadores próprios a importância do cumprimento da legislação e melhores práticas de trânsito." A Loggi disse apenas que "vem revolucionando a logística" no País, promovendo "inclusão social", e que "é natural que sociedade e órgãos públicos queiram acompanhar a evolução do mercado de aplicativos". A Uber Eats chegou a pedir dados do Infosiga, que são públicos, mas não se manifestou. A Rappi não respondeu. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.