Políticas públicas não podem ter retrocesso, diz Dodge

O governo Bolsonaro fez uma série de alterações na política indigenista.

© Ueslei Marcelino / Reuters

Brasil áreas indígenas 23/01/19 POR FolhaPress

Em um evento ao lado da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, disse nesta quarta-feira (23) que não pode haver "retrocesso em políticas públicas" no novo governo.

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O governo Bolsonaro fez uma série de alterações na política indigenista e transferiu a Funai (Fundação Nacional do Índio) do Ministério da Justiça para a pasta de Damares.

O evento organizado pela PGR, em Brasília, discute "perspectivas dos direitos constitucionais indígenas" e também previa a participação, pela manhã, da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, agora responsável pela demarcação de terras indígenas. Sua assessoria havia confirmado a participação, segundo a PGR, mas a ministra não apareceu.

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Seria a primeira vez que membros do primeiro escalão do governo Bolsonaro discutiriam, sob o crivo do contraditório, a política indigenista e ambiental.

Na plateia, procuradores da República, diversos diplomatas estrangeiros -embaixadores da Alemanha, Canadá, Luxemburgo, Reino Unido, Suíça, Suécia, Bélgica e Países Baixos, além de representantes das embaixadas de Noruega, Dinamarca e União Europeia- e organizações não governamentais.

A decepção, contudo, foi grande quando Damares Alves anunciou ao microfone que não iria falar naquele momento sobre a política indigenista. Disse que isso ocorreria à tarde, mas seu nome não está previsto na programação, e sim o do presidente da Funai, o general da reserva Franklimberg Freitas.

Damares disse que estava como plateia: "Vou estar ouvindo", embora o evento seja caracterizado como "uma mesa de diálogo". Ao final de sua curta manifestação, ela recebeu uma pergunta da plateia, mas também disse que não responderia.

Apesar disso, afirmou: "[Sobre] a preocupação com o diálogo, fica garantido a todos vocês, o diálogo está aberto. O governo Bolsonaro veio, e veio buscando diálogo. Nos primeiros dias, isso está bem demonstrado".

Ela também reafirmou que tem "compromisso e amor com os povos indígenas e que as políticas públicas desse ministério estarão movidas de grande paixão". Ao deixar o evento, a ministra se recusou a falar com os jornalistas.

Pouco antes de Damares, falou a procuradora-geral, Raquel Dodge. Ela disse que a Constituição de 1988 atribuiu ao Ministério Público papel expresso de defesa dos povos indígenas, e com "essa legitimação constitucional", propunha a mesa de diálogo: "Para que compreendamos como essas competências" do governo federal no campo indígena "serão exercidas, se haverá alteração nessas políticas públicas já encaminhadas, quais são as promessas de melhorias que estão sendo engendradas".

Raquel Dodge disse que "as políticas de direitos são importantes porque, em qualquer sociedade, há um contínuo aprimoramento no plano do reconhecimento dos direitos, no respeito à dignidade dos povos indígenas".

"E no plano das competências não pode haver retrocesso das políticas públicas. É sempre, do ponto de vista constitucional, um patamar de contínuo progresso, um patamar de contínuo aprimoramento, tanto na definição das políticas quanto no reconhecimento aos direitos assegurados na Constituição. Temos que andar sempre para a frente, promovendo, aprimorando, assegurando direitos e interesses", disse a procuradora-geral.

Dodge afirmou que "há muitas normas da Constituição de 1988 ainda não cumpridas" e talvez a principal seja "o mandamento constitucional de que, até o ano de 1993, todas as terras indígenas estivessem demarcadas. [...] É um dever constitucional imposto ao Poder Executivo que não foi cumprido. E mais uma vez diante de um novo governo, a pergunta que é refeita, é quando as demarcações estarão concluídas para que haja, como a Constituição assegura, o usufruto exclusivo dos povos indígenas estar na terra", disse.

O advogado índio terena Luiz Henrique Eloy, da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), a maior rede de organizações indígenas no país, disse que uma preocupação entre os índios "é a sistemática da demarcação das terras indígenas, que é regulamentado pelo decreto número 1775".

"Não temos clareza de como vai ser isso. Os técnicos da Funai vão ser levados para Agricultura? Tudo isso preocupa e quer esclarecimento. Como vão ser gerenciados também os interesses. A Funai está aí para defender os povos indígenas. A Funai não foi feita para ser imparcial, não é juiz. Nós sabemos que o Ministério da Agricultura é afetado sim pelos interesses do agronegócio, que é um dos contrários aos povos indígenas", afirmou.

Em entrevista à imprensa no intervalo do evento, o procurador da República Antonio Bigonha, coordenador da 6ª Câmara da PGR, que trata de direitos de minorias e povos indígenas, rebateu a hipótese, levantada em dezembro pelo então presidente eleito, Jair Bolsonaro, e em janeiro pelo secretário de Política Agrária Nabhan Garcia, de revisão para reduzir terras indígenas no país.

"É o impossível jurídico rever demarcações de terras no Brasil, a não ser que se constatasse uma nulidade, o que é um fato excepcionalíssimo. O que existe no Brasil hoje são terras demarcadas regularmente", disse Bigonha. Com informações da Folhapress.

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