Regime Maduro faz caçada a jornalistas estrangeiros na Venezuela

"É assombroso e irresponsável", diz o chanceler venezuelano Jorge Arreaza, "que meios estrangeiros entrem no país sem pedir permissão".

© REUTERS/Handout

Mundo Repressão 02/02/19 POR Folhapress

"É assombroso e irresponsável", diz o chanceler venezuelano Jorge Arreaza, "que meios estrangeiros entrem no país sem pedir permissão".

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De todas as coisas assombrosas e irresponsáveis que vêm ocorrendo na Venezuela -morte de crianças desnutridas, assassinatos de opositores, filas onde só se distribui benefícios a quem jura lealdade ao governo ou enterros caseiros, sem falar da corrupção-, a única que parece revoltar Arreaza é esta.

Assim foi sua justificativa para a caça a correspondentes estrangeiros ocorrida na última semana, em que 11 foram detidos, vários deles deportados.

+Dezenas de milhares vão às ruas em Caracas contra regime de Maduro

Os jornalistas locais estão mais que acostumados com pressões, ameaças e intimidações. Também elas assombrosas. Três dias depois de ter dado entrevista à Folha num café de Caracas, Luisa Amelia Maracara, editora do site Cronica Uno, telefona para a reportagem. "Aqueles caras que estavam armados no café, eu acho que não eram seguranças da irmã do Maduro, porque na vizinhança ninguém os conhece. Creio que estavam nos seguindo."

Jornalistas cobrem a soltura de cinco correspondentes internacionais detidos pelas autoridades venezuelanas na quinta (31) Juan Barreto/AFP jornalistas e fotógrafos    De fato, durante o papo da Folha com a jornalista, entraram homens vestidos de civis e armados no bar. Algo que assustaria qualquer um numa metrópole qualquer, em Caracas isso é normal.

Na hora, Maracara disse acreditar que estavam ali por conta da irmã do ditador Nicolás Maduro, que mora no mesmo quarteirão e que, de fato, minutos depois saiu escoltada por oficiais da Guarda Nacional Bolivariana. "Mas os sujeitos armados continuaram no bar, lembra? Tome cuidado", me avisa Maracara.Como eu já tinha deixado o país, não me preocupei, mas foram várias as histórias que ouvi, na última semana, sobre o assédio a jornalistas nacionais e estrangeiros.

Na segunda (28), conversando com uma das mais renomadas jornalistas da Venezuela, Luz Mely Reyes, na escadaria do prédio onde está localizada a sede do Efecto Cocuyo, felicitei-a pelos prêmios ganhos por ela e pelo site, que a fizeram viajar para recebê-los pela América Latina, Europa e EUA. "Sim, mas eu acabei esticando a viagem o máximo que pude. Em cada destino a que ia por um prêmio, achava a casa de um amigo, ficava um pouco mais, porque sabia que aqui na Venezuela estavam atrás de mim", contou.Pouco antes da viagem, Reyes tinha publicado uma investigação sobre a morte de um político que supostamente caiu do edifício em que vivia.

"A gente não sabe o que vai vir depois de expor algo. Pode ser ameaça telefônica, pode ser o Sebin (serviço de inteligência) te seguindo só pra te dar um susto, ou pode ser a prisão", diz Maracara.

Mesmo os jornalistas venezuelanos, acostumados a ver estrangeiros assediados no país, se surpreenderam com o número dos que foram constrangidos em uma semana.

Desde 2014, quando começaram as manifestações de rua mais graves, os avanços contra a imprensa estrangeira se intensificaram. A CNN já havia sido expulsa (hoje possui um serviço de streaming só para a Venezuela, que o governo vive tentando derrubar), depois foi o correspondente do New York Times que teve seu visto não renovado, e o da BBC, que foi deportado (preservo o nome dos colegas).

O problema não tem sido tanto passar pelo aeroporto de Maiquetía, embora este seja um dos obstáculos. Entrar aí sem uma boa explicação e com qualquer gadget, computador ou câmera já pode levar à sala de interrogatórios.

Colegas espanhóis que levaram câmera, mas compraram como "disfarce" passagens para as paradisíacas ilhas de Los Roques, não conseguiram entrar. Levados a mostrar equipamentos, foram descobertos e deportados.

Mas o maior risco surge depois de passar por Maiquetía. Entrevistar gente na rua com bloco ou gravador chama a atenção, e um oficial pode prendê-lo ali mesmo. Tirar fotos ou filmar qualquer coisa, também.Um colega do jornal El País (cujo nome também preservo) foi pego entrevistando vítimas de uma explosão de gás numa padaria. Levaram-no dali para o aeroporto.

Mas imaginemos que o argumento de Arreaza faça sentido. Conseguir um visto de jornalista na Venezuela é uma faca de dois gumes. Primeiro, podem recusar de cara. Segundo, o mais comum, é que te deem, desde que você apresente uma série tão grande de documentos que pode fazer você perder seu voo: antecedentes médicos, penais, certificados mil, além de lista detalhada de entrevistas que fará.

E ter o visto não oferece garantias se você fugir do roteiro que declarou fazer. E mais, o regime estará sempre perguntando onde você está, dando "incertas" no hotel para saber de você e, o mais penoso, te "convidando" para atos chavistas que são pura propaganda.

Com isso, a maioria dos veículos grandes desistiram de ter base no país. O El País tem colaboradores venezuelanos e uma Redação em Bogotá. Quando o noticiário esquenta em Caracas, um correspondente da sucursal viaja para lá.

O New York Times manteve seu escritório, mas sem correspondente fixo, mandam enviado quando necessário. O mesmo fazem outros jornais norte-americanos. Há freelancers ingleses e norte-americanos que trabalham para vários meios, como Financial Times, The Economist e Washington Post.A Al Jazeera transmite a partir da cidade colombiana de Cúcuta, na fronteira, e a atravessa quando é o caso.

As agências de notícias estão lá, mas grande parte das equipes em Caracas é venezuelana e recebe apoio do escritório em Bogotá. Também para Bogotá emigraram equipes inteiras de sites venezuelanos ameaçados em seu país. Com informações da Folhapress.

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