© Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil 
JOELMIR TAVARES - SÃO PAULO, SP - Um grupo de ONGs (organizações não governamentais) que cobra explicações sobre o monitoramento de entidades pelo governo Jair Bolsonaro ficou frustrado após uma audiência marcada pelo ministro da Secretaria de Governo, general Santos Cruz, para quinta-feira (14).
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A rede de 65 entidades nutria nas últimas semanas a expectativa de ser recebida para falar de uma medida provisória, a MP 870, que deu à pasta do general a atribuição de acompanhar e coordenar o trabalho de ONGs e de organismos internacionais no Brasil.
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Santos Cruz, de fato, abriu o gabinete a representantes de ONGs, mas para discutir segurança pública -embora, no fim das contas, tenha tocado no tema da MP e dito aos participantes que o governo apoiará uma mudança na redação do texto apresentada ao Congresso.
Em janeiro, dezenas de entidades de diferentes áreas, nacionais e estrangeiras, se uniram e enviaram uma carta ao ministro pedindo um encontro para tratar da supervisão, vista por elas como uma ameaça ao direito democrático de associação.
Entre os que assinaram o manifesto estavam os institutos Ethos, Socioambiental (ISA) e de Defesa do Direito de Defesa, a Conectas Direitos Humanos, a Rede Nossa São Paulo, os movimentos Agora!, Acredito e Brasil 21, a Transparência Brasil, o Geledés (Instituto da Mulher Negra) e a Oxfam Brasil.
O Planalto, em resposta, se apressou em dizer que a medida não significaria interferência ou risco à independência dos grupos. Também mostrou disposição em receber representantes para conversar e informou que faria contato com autores da correspondência para decidir uma data.
Uma audiência com Santos Cruz foi enfim marcada para a quinta passada em Brasília, mas com apenas três entidades da carta, todas da área de segurança pública -os institutos Igarapé e Sou da Paz e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
Aí surgiu a insatisfação no restante do grupo, que entendeu que o governo estava se propondo a debater apenas segurança, e não o monitoramento dos organismos. Na segunda-feira (11), as entidades divulgaram nova carta para dizer que houve negativa da Secretaria de Governo de estabelecer um diálogo.
Pessoas envolvidas no agendamento disseram que a confusão aconteceu porque as três organizações já vinham requerendo um encontro em Brasília antes de aderirem ao manifesto com as outras entidades. A duplicidade de pedidos teria causado um mal-entendido.
Os representantes do Igarapé, do Sou da Paz e do FBSP falaram a Santos Cruz que estavam no gabinete como estudiosos da área de segurança, e não na condição de porta-vozes dos colegas críticos à MP.
Na pauta entraram temas prioritários para o trio, como o decreto sobre posse de armas, o pacote anticrime do ministro Sergio Moro (Justiça) e as mudanças sobre a Lei de Acesso à Informação feitas sob Bolsonaro.
"O ministro se mostrou aberto para ouvir e declarou que os temas mais sensíveis serão muito debatidos com a sociedade e com o Congresso", disse Renato Sérgio de Lima, do FBSP, após o encontro.
Nova redação Durante a reunião, o general afirmou que o governo trabalhará por uma revisão no trecho da MP que fala do monitoramento de organizações. Ele não deu detalhes aos convidados.
Nesta sexta-feira (15), a assessoria de Santos Cruz disse à reportagem que ele se referia a uma emenda ao texto apresentada pela deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) na segunda-feira (11).
O ministro e a área técnica da pasta viram com bons olhos a sugestão da parlamentar da base aliada e devem trabalhar pela aprovação da proposta, que será discutida no Congresso.
Kicis recomendou um ajuste "de modo a esclarecer que não se pretende interferir no funcionamento de organizações internacionais e da sociedade civil com atuação no território nacional". O discurso é o adotado por Santos Cruz desde o início da polêmica.
A proposta dela é mexer na parte que cita entre as competências da Secretaria de Governo o poder de "supervisionar, coordenar, monitorar e acompanhar as atividades e as ações dos organismos internacionais e das organizações não governamentais no território nacional".
A deputada sugere trocar a atribuição para: "acompanhar as ações, os resultados e verificar o cumprimento da legislação aplicável às organizações internacionais e às organizações da sociedade civil que atuem no território nacional".
No Twitter, Kicis afirmou que a alteração no texto traria "mais fidedignidade à intenção do ministro" e que ele "a acatou de pronto".
O gabinete de Santos Cruz reiterou, em nota, que ele continua à disposição "a qualquer tempo" para tratar da questão que preocupa as associações. "Não existe nenhuma dificuldade ou restrição para isso", afirmou.
Frustrados com a confusão envolvendo a reunião de quinta, os autores da carta resolveram mudar o foco. Disseram que passarão a buscar apoio no Congresso Nacional e na Procuradoria-Geral da República para tentar uma retificação da MP.
"Lamentamos que o encaminhamento dado pelo ministro general Santos Cruz à solicitação de mais de 60 reconhecidas entidades da sociedade civil brasileira tenha se dado na contramão de suas declarações à imprensa de que estaria disposto ao diálogo direto com organizações sociais sobre o tema em questão", afirmaram em comunicado.
Em entrevista à reportagem dias após a reclamação das 65 ONGs, o general disse que o objetivo da MP não "tem nada a ver com controle", mas com "aplicação boa do dinheiro público".
Indagado sobre as queixas, falou: "Já estamos fazendo contato para convidá-las [para uma audiência]. Há muitas organizações boas que podem fazer um trabalho bom".
Desde a campanha e depois da eleição, Bolsonaro vem empregando um discurso crítico a ONGs. Após o primeiro turno, ele prometeu "botar um ponto final em todos os ativismos do Brasil". Com informações da Folhapress.