Reforma tira da Constituição regras da Previdência Social

Se aprovada, medida facilita mudar INSS e Previdência dos servidores no futuro

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Economia Sem alarde 22/02/19 POR Folhapress

BERNARDO CARAM, THIAGO RESENDE E ANAÏS FERNANDES - BRASÍLIA, DF, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Sem alarde, o governo incluiu na proposta de reforma da Previdência um mecanismo que autoriza a aprovação de futuras mudanças nas regras de aposentadoria por meio de projetos que exigem menos votos no Congresso do que o texto atual.

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Na prática, se for aprovada, a proposta apresentada na quarta-feira (20) permitirá que alterações em regimes previdenciários passem a ser feitas fora da Constituição.

+ Transição torna aposentadoria pelo teto do INSS quase inacessível

Artigos do texto estabelecem que o governo poderá apresentar projetos de lei complementar para promover alterações na aposentadoria dos setores público e privado, como modificações de idade mínima e tempo de contribuição.

Especialistas afirmam que a alteração pode fragilizar direitos sociais, que seriam modificados com maior facilidade pelo Congresso.

"O que essa proposta permite é a desconstitucionalização de regras básicas de proteção à Previdência", diz Marcus Orione, professor da Faculdade de Direito da USP.

O mecanismo não foi explicado pelos técnicos do governo em nenhum momento das quatro horas e meia de entrevista à imprensa destinada à apresentação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da nova Previdência.

A implementação de um novo sistema previdenciário, o de capitalização, também seria feita por lei complementar. Nesse caso, porém, o governo deixou claro o instrumento usado em sua criação.

Para a aprovação de uma lei complementar, é exigida a maioria absoluta de votos favoráveis: 257 deputados e 41 senadores. O projeto passa por duas votações na Câmara e uma no Senado.

Hoje, mudanças em regras da Previdência que estão na Constituição podem ser feitas apenas por meio de emenda constitucional, o que exige no mínimo três quintos de votos favoráveis -308 deputados de 49 senadores. Nesse caso, são necessários dois turnos de votação na Câmara e mais dois no Senado.

Por isso, uma PEC como a que o presidente Jair Bolsonaro tenta passar é considerada de difícil aprovação e exige grande capacidade de articulação do governo com os parlamentares.

Um dos artigos do texto, que trata da iniciativa privada, afirma que lei complementar enviada ao Congresso definirá requisitos de elegibilidade, idade mínima, tempo de contribuição, carência e limites dos benefícios.

O mesmo poderá ser feito com regras de cálculo e de reajuste dos benefícios, tempo de duração de pensão por morte e regras para acumulação de benefícios.

Outro trecho da proposta traz disposições semelhantes para os servidores públicos. Poderão ser alterados modelo de arrecadação, idades, tempo de contribuição, cálculo dos benefícios e reajustes.

Seguindo o mesmo critério, também será permitida a alteração de regras de idade e tempo de contribuição de professores, policiais e agentes penitenciários.

A presidente do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário), Adriane Bramante, afirma que a PEC traz, na verdade, regras transitórias para a Previdência, deixando a abertura para que mudanças sejam feitas por lei complementar no futuro.

"A consequência é que deixa os direitos sociais muito vulneráveis. A preocupação do legislador da Constituinte era deixar os direitos sociais na Constituição para garantir que não houvesse retrocesso e retirada dos direitos", disse.

Para Roberto de Carvalho Santos, presidente do Ieprev (Instituto de Estudos Previdenciários), as leis complementares sobre o tema deveriam ter sido apresentadas com a proposta da PEC.

"A verdadeira Previdência ainda não está esboçada, não sabemos qual será e isso está gerando insegurança", afirma.

Consultores do Congresso se debruçam sobre esse mecanismo para avaliar a constitucionalidade do texto. A avaliação é que esses pontos podem gerar questionamentos.

Técnicos do Legislativo ainda demonstram preocupação com outros pontos.

No primeiro, analisam se é possível que uma lei complementar altere as disposições transitórias da PEC. Isso porque, apesar de haver autorização para isso na emenda constitucional, a lei complementar fará, na prática, uma mudança no texto da Constituição, o que, em tese, não seria possível.

"A reforma tem muitas entrelinhas e problemas técnicos sérios que precisam ser sanados", afirma João Badari, especialista em direito previdenciário.

Outro ponto em estudo pelos técnicos é o risco de que regras específicas da Previdência que hoje podem ser alteradas por MP (medida provisória) e projeto de lei -de votação mais simples- passem a exigir uma lei complementar, de dificuldade intermediária.

O problema poderia afetar propostas semelhantes à editada pelo governo no início do ano para promover um pente-fino nos benefícios do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).

O programa foi implementado por MP, que tem validade imediata e pode ser aprovada por maioria simples dos parlamentares.

Na avaliação de Caio Taniguchi, do Bichara Advogados, o texto, ao reconhecer que a Previdência não é estanque, pode facilitar negociações futuras.

"Regras poderiam ser revistas a cada quatro anos se houvesse mudança na expectativa de sobrevida. Em vez de a cada quatro anos você discutir uma PEC, a lei complementar seria competente para isso."

Procurada, a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho não se manifestou.

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