Paraopeba é rio tóxico por mais de 300 km, diz relatório de ONG

Nível de cobre nas águas do rio chega a até 600 vezes acima do permitido a rios usados para abastecimento humano

© Reuters / Washington Alves

Brasil SOS Mata Atlântica 27/02/19 POR Agência Brasil

O nível de cobre nas águas do rio Paraopeba chega a até 600 vezes acima do permitido a rios usados para abastecimento humano, irrigação em produção de alimento, pesca e atividades de lazer.

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O limite aceitável de cobre é 0,009mg/l (miligramas por litro), mas variou de 2,5 a 5,4mg/l nas 22 amostras recolhidas em uma expedição ao longo de 305 quilômetros do Paraopeba para relatório da Fundação SOS Mata Atlântica, divulgado nesta quarta-feira (27), em São Paulo.

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A conclusão do documento é que rio Paraopeba perdeu a condição de importante manancial de abastecimento público e usos múltiplos da água em razão das 14 toneladas de rejeitos de minérios arrastadas e depositadas no rio, resultado do rompimento da barragem do Complexo do Córrego do Feijão, da empresa Vale, localizada na zona rural de Brumadinho, em Minas Gerais.

Segundo o relatório, 112 hectares de florestas nativas foram devastados por causa do arraste de rejeitos após o rompimento da barragem em Brumadinho. Destes, 55 hectares eram áreas bem preservadas.

“Os metais que nós encontramos [no Paraopeba] que são ferro, cobre, manganês, são metais que não fazem mal à saúde em pequenas quantidades. A diferença entre o veneno e o remédio é a dosagem. Eles se tornaram tóxicos por conta da quantidade que temos na água, muito superior ao que é determinado por lei”, disse a bióloga Marta Marcondes, professora e coordenadora do Laboratório de Análise Ambiental do Projeto Índice de Poluentes Hídricos (IPH), da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS).

O consumo de quantidades relativamente pequenas de cobre pode provocar náuseas e vômitos, mas, se ingeridas em grandes doses, podem lesar os rins, inibir a produção de urina e causar anemia por causa da destruição de glóbulos vermelhos, segundo o relatório.

A bióloga explicou que altos níveis de cobre causam oxidação de vitamina A, o que provoca a redução de vitamina C no organismo. A falta dessa vitamina leva a dores musculares, fadiga, distúrbios de aprendizado e pode causar ou potencializar quadros de depressão.

“O cobre ocasiona muito o processo de depressão. Imagina uma pessoa que perdeu família e tudo que ela tinha, tem um acúmulo de cobre e já está em um processo depressivo, isso vai potencializar tudo isso”, argumentou.

Além de ferro, manganês e cobre, foi encontrado nível de cromo até 42 vezes maior do que o aceitável na legislação, que seria 0,05mg/l. Como consequência, o cromo pode causar até efeitos mutagênicos e morte.

“O cromo é um dos mais perigosos porque ele vai alterar a questão genética dos organismos e também pode afetar o sistema nervoso. Isso tudo com certeza vai alterar todo processo de homeostase – equilíbrio do organismo –, podendo ocasionar, por exemplo, lesões no sistema nervoso e doenças degenerativas”, disse Marta.

De acordo com o relatório, por toda a extensão percorrida pela expedição, os indicadores de qualidade da água aferidos, incluindo nível de oxigênio e turbidez, também não revelaram água em condições de vida aquática. Dos 22 pontos analisados, 10 apresentaram resultado ruim e 12 péssimo.

“Hoje essa classificação ruim e péssima impede que o rio possa ser utilizado, então em uma comparação muito simplista, mas de fácil compreensão, é como se a gente tivesse transformado o rio Paraopeba, que era um rio com peixes, utilizado para abastecimento público, em um rio completamente contaminado como é o rio Pinheiros” [em São Paulo], avaliou Malu Ribeiro, especialista em Recursos Hídricos da Fundação SOS Mata Atlântica.

O alto índice de turbidez, o excesso de nutrientes em decomposição e as altas temperaturas registradas na água, entre outros fatores estudados, resultaram no registro de baixos índices de oxigênio dissolvido, em desconformidade com o padrão para rios de classe 2 (usados para abastecimento, irrigação e pesca), fixado em 5 mg/L. Em um dos pontos analisados, o índice de oxigênio chegou a 1,3 mg/l, o que representa valor insuficiente para manutenção da vida aquática.

Somente em cinco pontos de coleta, localizados nos trechos do rio entre os municípios de Pompéu e Curvelo, em Minas Gerais, os índices de oxigênio dissolvido apresentaram condição de manutenção da vida aquática.

Marta Marcondes explicou que a turbidez é a quantidade de material que há na água e que dificulta a entrada de luz nesse corpo d'água.

“A luz possibilita a fotossíntese, que vai fazer com que as plantas aquáticas produzam oxigênio para a água. Como a turbidez é muito alta, tem baixa entrada de luz e uma quantidade menor de organismos fazendo fotossíntese. Com isso, há uma quantidade menor de oxigênio na água”, disse. Por consequência, os animais que dependem desse oxigênio morrem.

“A água está imprópria, sem condições de uso e tem que se respeitar o decreto que o governo de Minas fez [segundo o qual] em uma faixa de cem metros, ninguém [deve] utilizar a água do rio porque é arriscado. Por mais que [as pessoas] tenham suas atividades econômicas ligadas ao rio, que dependam no rio, nesse momento ele não está em condições de uso”, alertou Malu.

Outras fontes de poluição que tiveram efeito potencializado após o rompimento são bactérias provenientes de organismos em decomposição, esgoto sem tratamento ou com baixo índice de tratamento e até defensivos agrícolas de fertilizantes.

“O rio já recebia esses poluentes, mas ele tinha uma capacidade de diluição maior, então ele dava conta de depurar esses contaminantes. Quando veio a lama de rejeitos, a primeira coisa que essa lama fez foi barrar o rio, então diminuiu o volume de água e concentrou os poluentes que ele já tinha e veio trazendo outros”, disse Malu. Como exemplo, tem o arraste pelos rejeitos de fossas de casas, de áreas de cocheira, estábulos e granjas.

Segundo Malu, é preciso cautela no estabelecimento de prazos para recuperação do rio Paraopeba. “Primeiro, a gente tem que aguardar a localização das vítimas, dos corpos, o que ainda está acontecendo, então o solo na região de Brumadinho ainda está sendo mexido para localizar esses corpos. Enquanto isso, o material [rejeito] que está lá espalhado pelo ambiente, toda vez que chover, que tiver um carreamento, isso vai para o rio. Então, ainda não dá para fazer o redesenho das áreas do leito do rio”, afirmou.

Depois desse primeiro período, seria necessário retirar o que for possível desses rejeitos e recolocar em um aterro. Segundo Malu, o monitoramento do rio é importante para acompanhar a condição da água e identificar quando o Paraopeba terá condições de ser repovoado com peixes e quando os municípios poderão captar água novamente.

A bióloga ressalta que o rejeito que está sedimentado no fundo do rio também impede que haja vida e que esse rejeito não vai sumir, apenas pode ser diluído e acabar sendo levado para o mar.

“O rejeito não some, ele precisaria ser tirado do rio e ser dado um fim mais inteligente [a ele]. O que está sedimentado no fundo [do rio] é preciso ser retirado, porque está em cima de toda a vida que tinha no fundo desse rio, que eram os decompositores, aqueles que contribuíam para que outros animais pudessem sobreviver”, explicou.

“No rio Doce já se passaram três anos, o rio ainda não se recuperou e continua afetando as áreas costeiras e marinhas. A recuperação das matas ciliares, das nascentes, os afluentes que chegam ao Paraopeba em boa qualidade são cruciais para devolver ao rio a capacidade de regeneração”, afirmou Malu.

“Uma coisa importante é que, agora mais do que nunca, a revitalização do São Francisco precisa sair do papel. E a revitalização do São Francisco agora passa pela recuperação do Paraopeba. O Paraopeba é o que forma o São Francisco. Se ele chegar doente no reservatório de Três Marias é como se tivesse um conta-gotas de veneno sendo despejado no rio São Francisco todo dia”, acrescentou.

Para ela, recuperar as matas ciliares vai garantir a volta dos ecossistemas e do ciclo hidrológico nessa região de formação do rio São Francisco.

A responsabilidade pelas ações de recuperação, disse Malu, é compartilhada porque as bacias hidrográficas afetadas são federais e há trechos de rio estaduais, mas os recursos devem ser arcados pela Vale.

“Precisa de investimento e ele tem que vir do pagamento dos danos causados pela Vale. A Vale é que tem que pagar as suas despesas de monitoramento e a melhoria do sistema de tratamento de água para que haja condição de restabelecer o abastecimento público”, disse.

A Vale informou que estabeleceu um plano de monitoramento da qualidade das águas, sedimentos e organismos aquáticos a partir de coletas diárias de amostras em 48 pontos nas bacias dos rios Paraopeba e São Francisco, cujos resultados parciais vêm sendo compartilhados diariamente com os órgãos competentes.

Segundo a empresa, cinco barreiras hidráulicas foram instaladas ao longo do rio Paraopeba para conter os sedimentos. Além disso, está prevista a construção de estruturas para conter os rejeitos na região próxima ao local do rompimento da barragem.

“Moradores e produtores rurais com atividades em doze municípios de Minas Gerais estão recebendo abastecimento de água para consumo humano, [uso] animal e irrigação. Até o momento, a Vale disponibilizou um volume de quase 13 milhões de litros de água”, disse, em nota, a Vale sobre as ações de reparação.

O rio Paraopeba era responsável por 43% do abastecimento público da região metropolitana de Belo Horizonte. Diante da impossibilidade de uso de suas águas por pelo menos 305 quilômetros, a SOS Mata Atlântica apelou para que a comunidade economize água, mesmo que o abastecimento esteja sendo realizado por afluentes que não foram contaminados, por cisternas e poços.

“Mesmo tendo outros rios, [é importante que] as pessoas economizem, porque a gente não sabe por quanto tempo não vai poder se utilizar a água do Paraopeba e quanto tempo esses outros rios têm condições de atender as necessidades dessas comunidades afetadas. É uma situação de emergência”, garantiu Malu.

Outra questão que requer atenção, segundo a especialista, é com a maior com proliferação de doenças que têm como vetores insetos – como a dengue, zika, chikungunya, febre amarela –, na região da bacia do Paraopeba.

“Porque, como a fauna que existia no ambiente do Paraopeba, os peixes, os anfíbios, os predadores dos insetos morreram, vai haver um aumento de insetos. E com isso aumenta o risco de doenças causadas por esses vetores”, advertiu, lembrando da vacinação e do cuidado no armazenamento de água.

O relatório hoje divulgado será entregue para a Câmara dos Deputados e Frente Parlamentar Ambientalista, visando alertar para que a legislação ambiental não seja flexibilizada; para Comitês de Bacia do Paraopeba e do São Francisco; e também a comunidades afetadas para que respondam dúvidas que ainda tenham.

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