Sistema de informações registra menos de 1% dos incêndios no país

Só em São Paulo houve 9.700 incêndios em residências entre setembro de 2017 e janeiro deste ano, segundo o Corpo de Bombeiros

© Siegfried Modola / Reuters / Foto ilustrativa

Brasil fogo 28/02/19 POR Folhapress

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Criado para dar a dimensão da destruição provocada por incêndios no país, o sistema unificado de informações registra apenas 0,01% dos casos estimados. Calcula-se que sejam 300 mil incêndios (entre florestais e urbanos) no Brasil por ano, que resultam em cerca de mil mortes. Mas, no site do Ministério da Integração constam apenas 56 incidentes em cidades, com uma vítima e sete feridos desde setembro de 2017.

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A data marca a entrada em vigor da chamada Lei Kiss, em referência ao incêndio que deixou 242 mortos em Santa Maria (RS) há seis anos. O texto sancionado pelo ex-presidente Michel Temer (MDB) determinou que os dados fossem reunidos e integrados ao sistema de monitoramento de desastres, com participação da União, dos estados e dos municípios.

A própria pasta federal, sob gestão de Jair Bolsonaro (PSL), porém, admite não cobrar o preenchimento -que é alimentado por outros desastres, como alagamentos, deslizamentos de terra e rompimentos de barragens.

Também contraria, em nota, a lei. Segundo o ministério, muitos dos incêndios são tratados no âmbito dos Corpos de Bombeiros estaduais e não precisam de atuação específica da Defesa Civil Nacional. Por isso, afirma, "podem ficar sem registro oficial" no site. Em 15 estados, não houve notificação de nenhum caso.

Só em São Paulo houve 9.700 incêndios em residências entre setembro de 2017 e janeiro deste ano, segundo o Corpo de Bombeiros. Mas, no mesmo período, o estado notificou à União apenas 11 casos -um em Sorocaba e todos os outros em Rio Claro. Os incidentes somaram uma morte e 25 pessoas desalojadas.

MÍNIMO

Informar o número de pessoas mortas, feridas, desalojadas e desaparecidas é o mínimo, diz Antonio Fernando Berto, Chefe do Laboratório de Segurança ao Fogo e a Explosões do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas).

"É uma questão de aprofundamento das estatísticas e sua divulgação para a sociedade. Se você não conhece o problema, ele não existe. E o poder público não consegue saber as soluções que devem ser dadas", afirma.

As ocorrências, porém, continuam sendo informadas pelos Corpo de Bombeiros estaduais apenas para a Senasp (Secretaria Nacional de Segurança Pública), subordinada ao Ministério da Justiça. A Folha pediu acesso aos dados três vezes, sem sucesso.

Mesmo que fosse preenchido, o sistema integrado de desastres não responderia o motivo do incêndio –falha que impede um avanço no combate às tragédias, segundo o engenheiro José Carlos Tomina, superintendente do Comitê Brasileiro de Segurança Contra Incêndio da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas).

"O que temos hoje é a intenção de mera relação de incêndios nos estados. Ninguém vai na causa, porque para isso tem que ter investigação, o que não se faz", afirma.

Para Tomina, é preciso esquadrinhar caso por caso: onde pegou fogo, porque se propagou, se havia equipamentos de combate e se eles funcionaram, se tinha brigada de incêndio, quanto tempo os bombeiros levaram para chegar, se conseguiram conter o incêndio ou não, se havia fumaça tóxica.

Quando o engenheiro coordenou o estudo Brasil Sem Chamas, de 2008 a 2010, teve uma conclusão desanimadora. "Não chegava a 1% os incêndios em que se sabia a causa."

O projeto foi inspirado por um similar feito nos Estados Unidos, em 1973, que resultou na publicação do "America Burning Report". Por lá, houve a diminuição das mortes de 12 mil para 3.000 por ano.

Por aqui, o relatório listou 40 propostas para a área -a maior parte ainda não virou prática. Mas, para Tomina, já há leis e orientações técnicas suficientes, elas só precisam sair do papel.

"Os incidentes acontecem por descumprimento. Só da ABNT são 70 normas. Se fossem atendidas e houvesse fiscalização rigorosa, não teríamos tantas tragédias", afirma.

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