© Reuters / Ueslei Marcelino
O Ministério Público Federal (MPF) divulgou hoje (7) uma nota técnica em que defende o retorno das demarcações de terras indígenas para o Ministério da Justiça, após a atribuição ter sido transferida por meio de medida provisória para o Ministério da Agricultura, em janeiro.
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No documento de 29 páginas endereçado ao Congresso, à Procuradoria-Geral da República (PGR) e aos ministros de Estado, o titular de assuntos indígenas no MPF, o subprocurador-geral da República Antônio Carlos Bigonha, afirma que a transferência das demarcações é juridicamente inviável, por colidir com o tratamento especial dado aos indígenas pela Constituição.
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O MPF também se posicionou contrário à transferência da Fundação Nacional do Índio (Funai) do Ministério da Justiça para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, por ver conflito entre as atribuições da pasta e os interesses peculiares dos indígenas.
Para o MPF, o MJ é “um campo neutro” em relação aos interesses defendidos e promovidos por outras pastas, sendo “assim historicamente vocacionado à mediação dos conflitos decorrentes da implementação do estatuto constitucional indígena”.
A nota técnica servirá de base para a manifestação a ser enviada pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 6062) aberta pelo PSB questiona a MP 870/2019.
Um dos principais argumentos do MPF é de que para fazer as modificações na demarcação de terras, o governo deveria ter consultado os povos indígenas previamente, conforme previsto por princípios da Constituição e pela Convenção sobre Povos Indígenas e Tribais da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil.
“Diante disso, será nula toda medida administrativa ou legislativa que afete diretamente os povos indígenas e não tenha sido submetida à sua consulta prévia, livre e informada”, escreveu o subprocurador Antônio Carlos Bigonha.
Ele citou o julgamento sobre a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em que o STF afirmou a necessidade de consulta prévia aos povos originários, conforme previsto pela convenção da OIT.
Outro argumento central do MPF contra a MP é o de há conflito de interesses entre a política agrícola desenvolvida pelo Ministério da Agricultura e a gestão territorial indígena, motivo pelo qual a Constituição dedicou capítulo especial ao regramento da questão indígena, separando dos assuntos de ordem econômica e financeira.
“Tivesse o Constituinte de 1988 a intenção de igualar as atividades produtivas desenvolvidas pelos indígenas em seus territórios às atividades agrícolas em geral, certamente não se teria detido sobre as peculiaridades culturais dos índios, isto é, seus usos, costumes e tradições”, escreveu Bigonha.
Para ele, o constituinte optou “por reconhecer nas atividades indígenas algo distinto e incompatível com as atividades econômicas em geral. Esta distinção alcança, indubitavelmente, a gestão territorial indígena que não guarda no corpo da Constituição, como se viu, qualquer identidade com a política agrícola”.
A Agência Brasil procurou o Palácio do Planalto e aguarda retorno.
Publicada em 1º de janeiro, a MP 870 elencou entre as atribuições do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento lidar com as questões fundiárias referentes às terras indígenas, o que antes era feito pela Fundação Nacional do Índio. No dia seguinte, por meio do decreto 9673, o governo vinculou a Funai ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.