Quase um mês após acordo, Vale ainda não pagou moradores de Brumadinho

Segundo o Ministério Público de Minas Gerais e outros órgãos do sistema de Justiça, a Vale tem demonstrado "evidente intuito protelatório"

© REUTERS

Brasil barragem 15/03/19 POR Folhapress

BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) - Vinte e três dias depois de assinar um acordo se comprometendo a fazer pagamentos emergenciais a todos os moradores de Brumadinho (MG) e outras comunidades às margens do rio Paraopeba, a Vale ainda não fez nenhum depósito ou apresentou seu plano de ação.

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Os valores serviriam para resolver problemas imediatos enfrentados por famílias em decorrência do rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, no dia 25 de janeiro. Até o momento, a tragédia deixou 203 mortos e 105 desaparecidos.

Segundo o Ministério Público de Minas Gerais e outros órgãos do sistema de Justiça, a Vale tem demonstrado "evidente intuito protelatório". Por decisão judicial, na sexta-feira (8), um dia depois de uma nova audiência, a mineradora recebeu documentos para cadastros das duas comunidades invadidas pela lama.

À PF, presidente e diretor da Vale dizem que desconheciam riscos

Foram entregues cerca de 990 envelopes de moradores do Parque da Cachoeira e 226 do Córrego do Feijão. Cada um representa um núcleo familiar. Pelo acordo, durante um ano, cada adulto receberá um salário mínimo (R$ 998), adolescentes, metade do valor (R$ 499), e crianças, um quarto dele (R$ 249,50).

"[Esse processo] tem sido desgastante para as pessoas, elas precisam de um prazo porque as contas estão vencendo. Nossa preocupação é que o acordo seja cumprido", diz a defensora pública de Minas Gerais Carolina Morishita Mota Ferreira.

Procurada pela reportagem, a Vale respondeu que irá "permitir o registro de pessoas para receberem pagamentos emergenciais previstos no acordo, incluindo a programação de atendimentos aos atingidos". Não explicou como isso irá funcionar na prática.

A mineradora diz ainda que o papel era reservado à Promotoria de Minas Gerais, o que os órgãos negam. "Quem tem que checar informações bancárias, se nome consta nas listas de moradores, ir atrás das pessoas é a Vale. Ficou definido assim desde o início", afirma Morishita.

De acordo com a ata da audiência do dia 7, representantes da Vale alegaram que haviam contratado uma empresa para fazer os cadastros, mas em virtude do grande número de pessoas, precisariam de 30 dias para apresentar a operacionalização.

Atingidos têm pressa Para agilizar o processo, atingidos do Córrego do Feijão reuniram documentos no dia seguinte à assinatura do acordo. Mesmo depois de combinado com a Vale, quando foram realizar a entrega no dia 27 de fevereiro, não encontraram responsáveis para receber os papéis e viram o posto de atendimento fechado.

Além de estar com o sogro Levi Gonçalves da Silva, 59, funcionário da Vale, entre os desaparecidos, a agricultora Juliana Cardoso, 37, conta que a família perdeu a renda, o modo de vida e está com a fatura do cartão de crédito prestes a vencer.

Moradora do Feijão, ela costumava ganhar R$ 400 por semana vendendo verduras que plantava na horta de casa. Agora, o mercado tem medo que os produtos da região estejam contaminados e não os compra.

O marido dela, que trabalha em outra mineradora próxima, que teve o acesso interditado após o rompimento, voltaria de férias no dia 2 de fevereiro. Como a empresa resolveu dar férias coletivas pelas dificuldades no local, ele acabou por receber R$ 100 no mês.

"Nossa alimentação é muito natural, com coisas que a gente produz. Eles puseram a lama aqui e continuam impondo como a gente vai viver. O dinheiro não traz meu sogro de volta, a única coisa que a gente quer é continuar nossa vida, mas nem isso querem deixar", diz Juliana.

Outras comunidades A audiência também definiu que a Vale deverá pagar cestas básicas às famílias das duas comunidades por um ano, e que até o dia 4 de abril deverá apresentar um relatório para mostrar como os pagamentos estão sendo realizados.

Moradores das comunidades de Jangada e Casa Branca também tentaram entregar documentos para cadastros, mas ficaram de fora. Segundo fontes de órgãos da Justiça e da comunidade, muitos moradores perderam emprego pela dificuldade de ir e vir.

Ruth de Souza Amorim, 21, vive na Jangada e trabalha como recepcionista em uma clínica de ultrassonografia em Brumadinho e atendente em um restaurante de Casa Branca. Entre gasolina e passagens de ônibus, ela calcula ter gasto cerca de R$ 400 -quase um terço do salário- até a Vale disponibilizar transporte.

Ela deixou de pagar contas e tem medo de perder o emprego de recepcionista, por conta dos atrasos e faltas. O restaurante, onde trabalha como diarista, já dispensou outros funcionários pela queda no movimento.

"Minha mãe trabalha recebendo diárias e foi dispensada praticamente o mês passado inteiro. As despesas são mensais e as contas continuam chegando. Ficar nessa incerteza de trabalhar ou não está acabando com a gente", diz.

Durante a semana, procuradores, promotores e defensores públicos fizeram uma série de reuniões em comunidades atingidas para esclarecer como será o pagamento. Eles explicaram, por exemplo, que o valor a ser pago será contado a partir da data do rompimento, 25 de janeiro, e que não há prazo limite para a entrega dos documentos.

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