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BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O Ministério Público Federal pediu esclarecimentos ao Inep (Instituto Nacional de Estudos Educacionais) sobre a criação de uma comissão para fazer um pente-fino ideológico nas questões do Enem. O órgão tem 5 dias para responder.
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A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão considerou "extremamente vago" a chamada "leitura transversal" da portaria, publicada no Diário Oficial da União na quarta-feira (20). A procuradora Deborah Duprat, que assina o ofício, cita ainda jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre o chamado "abuso de poder" normativo.
O Inep nomeou três pessoas para fazer parte da comissão. Como a Folha de S.Paulo noticiou em fevereiro, o objetivo do governo Jair Bolsonaro (PSL) é expurgar itens que abordem uma suposta "ideologia de gênero", termo nunca usado por educadores.
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A portaria indica que a comissão fará uma "leitura transversal" das questões que compõem o Banco Nacional de Itens do Enem para verificar "sua pertinência com a realidade social, de modo a assegurar um perfil consensual do Exame".
A portaria não descreve os critérios para a análise e diz apenas que a matriz da prova deve ser observada.
No ofício, a Procuradoria solicita quatro esclarecimentos: as avaliações realizadas em relação ao Enem 2018 que levaram à conclusão da necessidade de adoção da etapa técnica de revisão de itens, denominada "leitura transversal"; relação de profissionais especialistas em avaliação educacional e de instituições de educação superior que participaram dessa avaliação; os critérios sugeridos nessa avaliação e descrição da qualificação técnica e profissional dos membros da comissão.
O Banco Nacional de Itens é formado por questões que passam por rigoroso processo de produção. Uma única questão prevê dez etapas, que envolvem desde o treinamento de professores, pré-testes de itens e revisão por parte de especialistas das áreas de conhecimento. O documento cita entendimento do STF, de 2002, sobre o chamado abuso de poder normativo.
"A teoria do desvio de poder, quando aplicada ao plano das atividades legislativas, permite que se contenham eventuais excessos decorrentes do exercício imoderado e arbitrário da competência institucional outorgada ao Poder Público", diz o texto.
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Fazem parte da comissão o secretário de Regulação e Supervisão da Educação Superior do MEC, Marco Antônio Barroso Faria, o diretor de estudos educacionais do Inep, Antônio Maurício Castanheira das Neves, e o representante da sociedade civil Gilberto Callado de Oliveira, procurador de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina. O grupo tem 10 dias para a análise.
Quando a criação da comissão foi anunciada internamente pelo presidente do Inep, Marcus Vinicius Rodrigues, técnicos do órgão mostraram descontentamento e levantaram uma série de questionamentos técnicos.
Há o temor dentro do próprio instituto que o pente-fino inviabilize outras abordagens, como visões críticas da ditadura militar, por exemplo.
Essa foi a primeira medida oficial do governo para interferir, com viés ideológico, em conteúdos educacionais. O Enem é porta de entrada para praticamente todas as universidades federais do país. Na última edição, 5,5 milhões de jovens e adultos se inscreveram para a prova. O exame já foi alvo de críticas do presidente, Jair Bolsonaro (PSL).
Na última edição, um item citava um dialeto utilizado por gays e travestis e foi criticado por Bolsonaro. Em 2015, quando ainda era deputado, Bolsonaro considerou a prova uma tentativa de doutrinação de esquerda.
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O exame trazia o tema da redação "A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira" e uma questão com um texto da filósofa francesa Simone de Beauvoir. Na posse como ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodriguez criticou o que chama de "ideologia de gênero" e exaltou a família e a Igreja.
A Folha questionou o Inep sobre o ofício mas ainda não recebeu retorno.