© REUTERS / Washington Alves (Foto de arquivo) 
BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) - O certificado de declaração de estabilidade da barragem B1, na mina Córrego do Feijão da Vale, em Brumadinho (MG), assinado pela empresa alemã Tüv Süd, foi determinante para dificultar a atuação de órgãos de investigação e controle que apuravam a situação da estrutura desde 2016.
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A afirmação foi feita por William Garcia Pinto, um dos promotores da força-tarefa que investiga a tragédia que deixou ao menos 210 mortos e 96 desaparecidos, durante um evento da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), na terça-feira (19), em Belo Horizonte.
"A partir do momento em que eles certificam a estrutura da barragem, corrompem todo o modelo de certificação brasileiro de segurança de barragens", disse ele.
Garcia Pinto presidiu o inquérito civil instaurado em 5 de outubro de 2016, onze meses após o rompimento da barragem do Fundão em Mariana, para apurar preventivamente a situação de oito barragens pertencentes à Vale em Brumadinho. Entre elas, a B1.
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Ainda de acordo com o promotor, em junho de 2018, ao mesmo tempo em que a Tüv Süd emitiu sua primeira certificação de estabilidade da estrutura, uma geóloga da equipe técnica do Ministério Público de Minas Gerais pediu que fossem solicitadas à Vale informações complementares sobre a barragem.
Os documentos foram entregues por um advogado da mineradora no dia 6 de novembro, em dois CDs, que incluíam o certificado assinado pela empresa alemã. Junto a eles, a Vale anexou pedido de arquivamento do inquérito, por entender que não havia qualquer risco na barragem para a vida humana, saúde ou meio-ambiente, segundo Garcia Pinto.
"Até hoje, a Vale se escuda na potencial credibilidade da empresa para dizer que não sabia ou não tinha informação suficiente. Então, a empresa foi utilizada para dificultar a investigação do Ministério Público e tirar do radar do poder público a prioridade daquela barragem que estava tão crítica que pouco depois se rompeu", afirmou ele.
O inquérito, porém, não foi arquivado e as investigações seguem em andamento. De acordo com a Promotoria de Minas Gerais, o caso está sob análise da equipe técnica do órgão.
Até o momento, segundo Garcia Pinto, o núcleo criminal que apura a tragédia tem 23 investigados, pediu 13 prisões temporárias (dois funcionários da Tüv Süd e onze da Vale), afastou 18 funcionários de seus cargos, recolheu 18 passaportes, teve 23 mandados de busca e apreensão e está com 78 dispositivos eletrônicos sob análise da equipe de peritos.
Procurada pela reportagem, a Tüv Süd diz que não está comentando detalhes do caso, mas que iniciou uma investigação independente logo após o rompimento da barragem. A empresa reitera ainda que "ofereceu sua total cooperação às autoridades para o esclarecimento das circunstâncias do colapso da estrutura".
A Vale voltou a afirmar que ao contratar uma empresa conhecida internacionalmente, como a Tüv Süd, "esperava que os auditores dessa empresa tivessem responsabilidade técnica, independência e autonomia na prestação de seus serviços".
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Sobre o inquérito, a mineradora alega que apresentou os planos de segurança das barragens e pediu o arquivamento "por confiar plenamente que as informações prestadas desde 2016 atestavam a estabilidade das barragens conforme a legislação vigente."
No final da apresentação para juízes, na terça, o promotor exibiu o vídeo que mostra o momento do rompimento da barragem e a lama atingindo a área do refeitório da Vale. Garcia Pinto, que atua em Brumadinho, contou que nos quinze primeiros dias depois da tragédia, "teve apenas um dia que não teve informações do velório de alguém próximo ou conhecido".
"Muito além de um desastre ambiental de proporções gigantescas, esse caso é um desastre humanitário, que o Brasil, notadamente Minas Gerais, deve levar como lição para identificar qual tipo de empreendedor, de empreendimento, de modelo de fiscalização, de empresa certificadora é importante", afirmou.