Marcha para Sair percorre 400 km na Inglaterra para defender brexit

Marcha para Sair (March to Leave) busca aumentar a pressão sobre o governo Theresa May e o Parlamento para que agilizem o processo

© Henry Nicholls/Reuters

Mundo Reino Unido 23/03/19 POR LUCAS NEVES para Folhapress

LUCAS NEVES, WETHERBY, INGLATERRA (FOLHAPRESS) - À distância, os mochilões nas costas e a bandeira na cabeceira da fila indiana fazem pensar em um grupo de escoteiros.

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O zoom revela um mar de cabeças brancas, sugerindo talvez uma legião de peregrinos. Já o ritmo de caminhada, sincopado, lembra o de um pelotão sênior de marcha atlética.

Mas não é a proteção da natureza, nem a fé, nem o esporte o que congrega cerca de 80 pessoas, no primeiro dia da primavera, à margem de uma estrada sem acostamento do norte da Inglaterra. Eles só têm pernas para o brexit, a cada vez mais bizantina saída do Reino Unido da União Europeia (UE).

São todos participantes (fixos ou apenas por um dia) da Marcha para Sair (March to Leave), que busca aumentar a pressão sobre o governo Theresa May e o Parlamento para que agilizem o processo.

Na quinta (21), sexto dos 14 dias do périplo, a turma recebeu uma notícia pouco alvissareira (para eles, em todo caso): a UE adiou ao menos até 12 de abril o Dia D do brexit, dando a May mais duas semanas para resolver o imbróglio da aprovação do "acordo de divórcio" pelos parlamentares.

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Iniciada na cidade litorânea de Sunderland (nordeste da Inglaterra), a romaria deve culminar na frente do Parlamento, em Londres, na data que marcaria o adeus britânico à Europa: 29 de março.

A reviravolta da última semana é feito brisa a soprar sobre as bandeiras do grupo. Ao lado delas, pululam cartazes com dizeres como "parem de trair o brexit", "salvem o brexit" e "sair significa sair".

No plebiscito de junho de 2016, 52% dos eleitores votaram "leave" (sair), contra 48% de "remain" (permanecer).

O grupo vai percorrer 435 km (cerca de 31 km por dia) em uma região bastante atingida pela desindustrialização nas últimas décadas e majoritariamente partidária do "leave". Uma jornada típica inclui de 6 a 8 horas de caminhada, com parada para almoço.

Quem vai se juntar ao cortejo por dois dias ou mais recebeu, mediante pagamento de 50 libras (R$ 260), um kit "leave", com camiseta azul ou branca com o nome do evento e plaquinha pró-brexit. A organização fornece a esses assíduos hospedagem e alimentação.

Um ônibus panorâmico que leva a inscrição "acredite na Grã-Bretanha" em letras garrafais conduz os participantes a cada manhã ao novo ponto de partida -geralmente, um estacionamento- e os traslada, ao fim das atividades, para o hotel da vez.

Uma carreta com banheiros químicos segue o périplo e, como numa maratona, aparece a cada tantos quilômetros uma boa alma para oferecer água e bolinhos aos "brexiteiros" de estômago vazio. Monitores e seguranças fazem um cordão de isolamento.

O aposentado William Rose, 74, integrou-se pela primeira vez à andança na quarta (20). "Estou com raiva, de saco cheio", dispara. "Theresa May deixou a UE definir a agenda, e o que eles queriam era nos aplicar um castigo. O acordo que ela fechou é pior do que se tivéssemos decidido ficar."

Para ele, a UE deseja criar "os Estados Unidos da Europa, uma federação com uma só bandeira, uma só moeda, um só hino e agora, um só Exército [ideia defendida pelo presidente francês, Emmanuel Macron, por exemplo]".

Enrolada em uma bandeira do Reino Unido, Gaynor Haycock, 56, pensa parecido.

"Não somos contra os europeus, adoramos eles. O problema é a elite política, o establishment: Donald Tusk [presidente do Conselho Europeu], Michel Barnier [negociador-chefe do brexit pelo lado europeu], Jean-Claude Juncker [nº 1 da Comissão Europeia], Angela Merkel [chanceler da Alemanha]."

Na visão dela, esses líderes "querem mandar em todo mundo, querem forçar os membros da UE a abrir mão de sua soberania".

Haycock diz que a UE destruiu tudo o que era tipicamente inglês em prol de importações. "Estou fazendo isso por meus filhos e netos. Temos de lutar pela liberdade, como nossos antepassados", arremata, com a voz embargada.

A mesma "responsabilidade geracional" move o artesão aposentado John Coyle, 65. "Como posso explicar aos meus filhos que democracia é a vontade popular se deixar isso acontecer?".

Coyle afirma que estará com a marcha no dia 29, na frente do Parlamento, para "testemunhar a traição".

Mas talvez as palavras de William Rose consigam acalmá-lo. "No fim, vamos ganhar. Pode ser não ser agora, pode ser que voltemos à casa zero. Mas vamos ganhar."

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