Reforma tira 'proteção à gestante' das regras previdenciárias

Segundo especialista, objetivo da PEC é evitar que o Judiciário estabeleça ou conceda benefícios além daquilo que está taxativamente previsto na lei

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Economia benefício 24/03/19 POR Folhapress

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A reforma da Previdência do governo Jair Bolsonaro (PSL) retira da Constituição trecho que garante proteção à maternidade e à gestante nas regras previdenciárias.

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Hoje, o inciso II do artigo 201 da Constituição, que trata das normas aplicadas ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), estabelece "proteção à maternidade, especialmente à gestante".

Na PEC (Proposta de Emenda à Constituição), o trecho é modificado e garante apenas o salário-maternidade como um dos direitos previdenciários.

Parte de especialistas em direito constitucional e previdenciário ouvidos pela Folha vê com preocupação a mudança. Há quem discorde do fim de proteção, porque o novo inciso garantiria a assistência às mulheres.

"Maternidade e gestante deixam de ser fatores geradores para a hipótese de cobertura previdenciária. No lugar, entra um benefício definido", critica Érica Barcha Correia, doutora em direito social pela PUC-SP e professora universitária.

+ Bolsonaro diz que a responsabilidade da reforma está com o Parlamento

Para ela, o texto pode dificultar a ampliação da concessão administrativa de benefícios do INSS no futuro. "A intenção também é acabar com discussões judiciais, limitar a judicialização", diz.

A opinião da professora é compartilhada pelo advogado Roberto de Carvalho Santos, presidente do Ieprev (Instituto de Estudos Previdenciários). "Quando há na Constituição uma proteção à gestante, há uma abertura maior [a direitos]", afirma.

Ele cita decisões judiciais que têm concedido ampliação da licença-maternidade quando há o nascimento de um bebê prematuro. Por lei, o prazo é de 120 dias.

"Na minha opinião, o objetivo da PEC é, cada vez mais, tentar evitar que o Judiciário venha estabelecer ou conceder benefícios além daquilo que está taxativamente previsto na lei", diz Santos.

+ Articulação política abala confiança na reforma

Uma decisão da 17ª Vara Federal de Porto Alegre, por exemplo, garante que todas as seguradas do país com gravidez de risco recebam o auxílio-doença, mesmo que não tenham contribuído por 12 meses ao INSS.

"A Constituição Federal previu, no capítulo destinado à Previdência Social, a proteção à maternidade, especialmente à gestante, como um dos pilares a serem respeitados pelo legislador e pelos aplicadores da lei", escreveu o juiz Bruno Risch Fagundes de Oliveira na decisão.

A ação civil pública foi ajuizada pela Defensoria Pública da União. O INSS recorre.

Para o professor de direito constitucional da FGV Direito SP Roberto Dias, a mudança para as gestantes representa um retrocesso.

"O Brasil está vinculado a tratados internacionais, entre eles o Pacto de San José da Costa Risca [Convenção Americana de Direitos Humanos], que apontam que os direitos humanos sejam implementados de forma progressiva", afirma Dias.

Em nota, a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho afirma que "a mudança não retira nenhum direito da gestante, apenas especifica que a proteção a ser oferecida pela Previdência Social é o salário-maternidade".

"A seguridade social continuará ofertando outros serviços e programas de proteção à maternidade por meio da assistência social, conforme previsto expressamente no inciso I do artigo 203", diz.

O trecho citado da Constituição afirma que a assistência social é prestada a quem necessitar e tem por objetivos: "A proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice".

Na opinião da advogada Adriane Bramante, presidente do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário), não haverá prejuízo à gestante porque a garantia previdenciária de afastamento na gestação em caso de doença ou incapacidade ainda consta do inciso I do próprio artigo 201 da PEC.

"Quando se olha a gestante, qual seria o benefício previdenciário que a protegeria? Seria a incapacidade temporária ou permanente, que está no inciso I", afirma Bramante.

"Então, se a gestante tem algum problema de saúde durante a gestação, ela teria direito ao benefício por incapacidade. Não vejo como um prejuízo nesse sentido", diz.

Tonia Galleti, do Sindnapi (Sindicato Nacional dos Aposentados), diz acreditar que a mudança, na prática, possa fazer com que a proteção seja ampliada, garantindo direitos a homens cujas mulheres morrem e, até mesmo, a casais homossexuais.

Ela diz que a PEC está desconstitucionalizando boa parte da proteção social, mas a mudança do termo proteção à gestante para salário-maternidade garante o pagamento desse benefício.

"É até mais abrangente que especialmente à gestante, porque hoje não se protege apenas com salário-maternidade a mulher, mas também o homem em caso de morte da mulher", diz ela.

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