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A morte de três detentos por meningite chamou atenção na semana passada para a questão da saúde nos presídios do Rio de Janeiro. Um levantamento realizado pelo Mecanismo para Prevenção e Combate à Tortura, órgão vinculado à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), revela que as mortes nas unidades prisionais fluminenses aumentaram 114% em sete anos, subindo de 125 em 2010 para 268 em 2017.
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De acordo com a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap), os casos de meningite já estão controlados. O estudo, porém, revela que as maiores preocupações se relacionam a outras enfermidades. Cita que há "um colapso" no controle da tuberculose - há registro de um detento que foi reinfectado sete vezes -, violência obstétrica antes e durante partos e a ausência de audiências de custódia para presos hospitalizados.
O órgão aponta que há "uma cadeia de decisões institucionais tomadas pelos mais diversos atores políticos que, em última instância, não atuam sob o mandamento constitucional de garantir o direito à saúde da pessoa presa".
"Estamos falando só dos que morreram dentro do sistema prisional. Tem os que morrem depois porque saíram debilitados. Tem os que saem com pulmões praticamente sem funcionar. E a maioria dessas mortes poderiam ser evitadas. As pessoas não estão morrendo porque estão sendo massacradas umas pelas outras. Não são mortes violentas. Elas estão morrendo em decorrência de problemas de saúde simples, que se complicam", diz Alexandre Campbell, um dos responsáveis pelo estudo.
Desde 2007, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro já moveu 18 ações civis públicas relacionadas com a violação do direito à saúde nas unidades prisionais do estado. Em uma delas, foi anexada um estudo que investigou 83 mortes entre abril de 2014 e abril de 2015, 64% delas por tuberculose, pneumonia e sepse de foco de pulmonar. De acordo com o estudo, 30 tinham "registros de cachexia e mal estado nutricional em seu laudo cadavérico". Do total, 57,8% tinham menos de 40 anos. O estudo questiona se quando ingressam no sistema prisional, é identificado se os pacientes têm hipertensão ou diabetes, por exemplo, e se são feitos exames periódicos e aferição da pressão.
"Me parece que o problema muitas vezes não é o medicamento. É a detecção da doença. E nesse caso estamos falando de um problema que não está ligado a recursos materiais, e sim a recursos humanos", diz o defensor público Marlon Barcelos.
Dados da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) apontam que, em 1998, o Rio tinha 18 mil presos. Passados 20 anos, esse número saltou para 54 mil. Nesse mesmo período, o número de profissionais de saúde para atender os presos caiu de 1,2 mil para 450. O órgão, que está sob nova gestão desde o início do ano com a posse o governador Wilson Witzel, reconhece o cenário.
"No passado, a saúde prisional do estado do Rio de Janeiro tinha excelência reconhecida nacionalmente, com hospitais que inclusive faziam complexas cirurgias e atendimentos aos privados de liberdade. Infelizmente, a população carcerária multiplicou-se por três e o quadro técnico da saúde prisional foi praticamente dividido em três. As perdas do sistema de saúde prisional não foram somente materiais e não atingiram somente detentos. Atingiram também o corpo funcional, que não é reposto há anos. E não existe mais um plano de cargos e salários para estes funcionários", diz Nice Carvalho, coordenadora de gestão em saúde penitenciária da Seap.
Mesmo com a situação financeira crítica do estado, a coordenadora estabelece metas, tais como a redução dos casos de tuberculose, a estruturação da atenção à gestante, a implantação de sistemas informatizados, a regulamentação funcional e a recuperação da estrutura. Entre medidas adotadas nos primeiros 100 dias de governo, Nice Caravalho cita a busca por recursos junto ao governo federal e ajustes para melhorar a qualidade do atendimento na UPA do Complexo Penitenciário de Gericinó.
"Foi assinado agora com o município um acordo para o preso poder sair para trabalhar. Vai reformar escolas, vai reformar hospitais. O município vai bancar e o preso poderá melhorar a situação de sua família. O apenado, o paciente, o preso tem que sair muito melhor do que ele entrou. E é isso o que nós queremos. Peço desculpa pelo Estado, não pela gente", acrescentou.
Por volta dos anos 2000, o sistema penitenciário do Rio de Janeiro era de fato bem avaliado na visão da pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Alexandra Sanches. De lá para cá, porém, o crescimento do encarceramento, a desestruturação das unidades e a adoção de políticas na contramão do que indicavam estudos acadêmicos contribuíram para a mudança do cenário. "É possível ter um sistema prisional que funcione, que respeite os direitos humanos e ofereça um serviço de saúde da mesma qualidade do que é oferecido fora dos presídios. Essa é a meta constitucional", diz a pesquisadora.
Segundo a pesquisadora, as ocorrências de tuberculose entre presos, que já eram preocupantes, cresceram após o fechamento do Complexo Penitenciário da Frei Caneca, na região central do Rio, implodido em 2010. As unidades de saúde que funcionavam no local não foram realocadas no Complexo Penitenciário de Gericinó, o maior do estado, localizado no bairro de Bangu, na região oeste da capital fluminense. "A solução achada foi a colocação de uma UPA [Unidade de Pronto Atendimento] que obviamente não substitui os hospitais clínicos que fazem investigação clínica, hospitalização, tratamento".
O quadro, de acordo com a pesquisadora, se deteriorou ainda mais a partir de 2016, quando o Hospital Albert Schweitzer, até então gerido pelo estado, foi municipalizado. "Deixaram de aceitar os pacientes do sistema penitenciário". Ela lamenta que a tuberculose, embora seja uma doença de diagnóstico e tratamento fácil, seja a principal causa de morte entre os presos do Rio de Janeiro.
De acordo com o estudo do Mecanismo, a UPA no Complexo Penitenciário de Gericinó fica isolada e não está articulada com o restante do sistema de saúde, dificultando o encaminhamento dos pacientes. "Primeiro já é difícil conseguir que o nome dele vá para o ambulatório. E o que estamos chamando de ambulatório é uma sala pequena que as vezes tem só um técnico de enfermagem. E esse técnico, sem enfermeiro e sem médico, não pode fazer nada. O que ele faz é encaminhar para a UPA. E, nos casos que demanda deslocamento a um hospital fora da unidade prisional, o detento é massacrado em um veículo até o hospital. Nem sempre é atendido. Fica em uma sala de espera que pode ser até mais massacrante que a cela onde ele estava. E depois faz o caminho inverso. Todas as vezes que tem um problema ele passa por isso", relata Alexandre Campbell.
A construção de uma unidade hospitalar para atendimento dos internos de Gericinó é considerada uma medida urgente pelo defensor público Marlon Barcelos. Ele pede que o Executivo assuma a responsabilidade, mas também destaca que decisões judiciais têm permitido que unidades prisionais recebam mais pessoas que o número de vagas, contrariando a Súmula Vinculante 56 do Supremo Tribunal Federal (STF), que determina que "a falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso".
O Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), administrado pelo Ministério da Justiça, destinou R$ 44,8 milhões a cada unidade da Federação em 2017. No ano passado, a distribuição dos recursos deixou de ser igualitária e passou a considerar alguns fatores, entre eles a população carcerária de cada estado. Com a mudança, apenas o valor destinado à São Paulo subiu. Os demais estados receberam menos recursos na comparação com o ano anterior.
A falta de transparência sobre a aplicação desses repasses é um dos principais problemas na visão da psicóloga Márcia Badaró, integrante do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro (CRP-RJ) e do Fórum Permanente de Saúde do Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro.
"O dinheiro veio, mas onde foi aplicado? Conforme a legislação, é para obras de restauração, adaptação e inclusive para assistência social e médico-hospitalar. É um fundo que não tem um colegiado como gestor. É preciso se movimentar para ver como isso está sendo aplicado. E outra fonte de recursos, segundo a lei, é o dinheiro arrecadado nas cantinas dos presídios e nós sabemos que aí também há problemas", diz.
Karen Athie, superintendente de atenção psicossocial e populações em situação de vulnerabilidade da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro (SES-RJ), afirma que o cenário deve melhorar com a retomada das discussões em torno da Política Nacional de Segurança Pública (Penasp), instituída no ano passado pelo Ministério da Justiça. "Houve um vácuo nos últimos anos. Sabemos que a gestão anterior declaradamente não apoiava a política, o que era um dificultador do processo, diferente do que ocorre agora. A gente entra nessa gestão com os primeiros 100 dias já tendo feito, a cada mês, uma atividade do grupo condutor da Penasp no Rio". Ela informou que os municípios do Rio de Janeiro, Volta Redonda, Japeri e Itaperuna já concordaram em aderir à Penasp.
Com informações da Agência Brasil