Após 2 anos, terreno de prédio que desabou em SP segue com entulho
A gestão Bruno Covas (PSDB) avalia erguer ali um prédio de 14 andares, com 56 apartamentos de dois quartos cada um
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Brasil Paissandu
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Depois de quase dois anos de negociações, o governo federal deve ceder à Prefeitura de São Paulo o terreno do edifício Wilton Paes de Almeida, que desabou no centro da cidade em maio de 2018, para a construção de moradia social.
Quase dois anos depois do incidente que deixou sete mortos e 291 famílias desabrigadas, o espaço é ocupado ainda hoje por uma alta pilha de entulho que preenche os 600 m² do terreno.
Construído nos anos 1960, o icônico prédio de vidro de 24 andares pertencia ao governo federal –já foi sede da Polícia Federal e agência do INSS. Abandonado desde o fim dos anos 2000, o edifício foi invadido por sem-teto e se tornou moradia precária para centenas de famílias.
Depois que desabou, a prefeitura anunciou que pretendia construir ali um novo prédio com moradias para famílias pobres. No ano passado, porém, o governo federal jogou água na ideia da gestão Bruno Covas (PSDB).
Conforme a Folha de S.Paulo revelou, a gestão Jair Bolsonaro (à época no PSL, hoje sem partido) havia decidido vender o terreno, a despeito do projeto da prefeitura. "O imóvel está no plano de alienação do governo federal com alta prioridade", disse a SPU (Secretaria do Patrimônio da União) à época.
Agora, porém, o governo federal voltou atrás. À reportagem, o órgão informou que pretende ceder o espaço à administração municipal.
"Até dezembro de 2019, o governo mantinha a intenção de vender o terreno onde esteve erguido o edifício Wilton Paes de Almeida, porém a Superintendência do Patrimônio da União em São Paulo (SPU/SP) participou de uma reunião com o Secretário de Habitação do Município, na qual o secretário manifestou a intenção de lançar no plano de habitação deste ano um prédio para famílias de baixa renda no local onde houve o desabamento", disse a SPU à reportagem, em nota.
"Naquela oportunidade, o secretário de Habitação ficou com a responsabilidade de apresentar na SPU/SP o projeto e a fonte de recurso para construção do prédio até fevereiro de 2020, condições necessárias para que a SPU possa promover a doação do terreno à prefeitura e assim, com essa parceria, o governo federal também contribuir com esse relevante projeto habitacional da cidade", afirmou.
À reportagem, a prefeitura disse que deve mandar o projeto arquitetônico e o cronograma ao governo até o fim deste mês, mas que ainda não há previsão de quando as obras devem começar, porque primeiro é preciso esperar a transferência do terreno para o município.
A gestão Covas diz, porém, que pelos estudos preliminares e o Plano Diretor, "já se sabe que não será possível construir um prédio com as mesmas dimensões do antigo Wilton Paes de Almeida".
De acordo com o projeto, ainda em desenvolvimento, o local comporta um prédio de 14 andares com 56 apartamentos de dois quartos cada um.
As famílias desabrigadas com a queda do edifício não terão prioridade, mas podem ser contempladas com moradias se seguirem os critérios estabelecidos pela prefeitura.
Isso deve dar um alívio, ainda que mínimo, à fila da habitação na cidade, que tem déficit estimado em 474 mil moradias.
Também vai dar rumo a mais um ponto degradado no centro da capital. O terreno onde ficava o prédio está abandonado e os tapumes que cercam o entulho com frequência são depredados ou furtados –moradores da região dizem que o local virou ponto de uso de drogas.
Na tarde da última segunda-feira (6), homens instalavam novos tapumes para repor o que foi furtado e fechar o terreno. Foi uma vaquinha: o prédio da frente cedeu as placas de madeira e o prédio ao lado arcou com a mão de obra –R$ 300.
"A prefeitura esqueceu isso aqui. Ontem mesmo o entulho ocupava metade da calçada. Nós é que estamos pagando para consertar e limpar essa bagunça", diz o síndico do prédio vizinho, Aparecido Dias, 71.
A prefeitura afirma que faz varrição na região de segunda a sábado, em três turnos.
A queda do Wilton Paes de Almeida revelou uma fachada de um prédio que ficou escondida por 50 anos, a do edifício Caracu, onde funcionou um escritório da marca de cerveja de mesmo nome. Na empena cega que voltou a aparecer em maio de 2018, um grande anúncio dos anos 1950 dizia que "Beber Caracu é beber saúde".
Painéis publicitários do tipo são hoje proibidos pela legislação municipal, e o anúncio foi apagado em setembro do mesmo ano.
Agora, a fachada ganha um imenso grafite, assinado pelo coletivo de artistas Os Tupys, grupo que faz arte de rua na cidade desde os anos 1980.
"Foi um presente. A gente conseguiu dar contexto e profundidade ao nosso trabalho", diz o artista Carlos Delfino, 53, do grupo, que explica o desenho:
O pano de fundo é um labirinto, "que é a própria cidade", diz Delfino. "Mas é um labirinto que está explodindo", afirma, se referindo a um vulcão pintado na base, que embaralha e distorce o labirinto.
"O vulcão é um símbolo forte, porque está ali, é uma ameaça, mas entra em erupção quando você não espera. Você não tem controle", diz ele, no que seria uma referência à queda do edifício.
Há uma cadeira voando pelo ar, "que é outro símbolo, que representa a política, quem ocupa a cadeira", afirma. E, sobre tudo isso, o desenho de uma mão com uma moeda, "a mão do dinheiro que tentou cobrir tudo", diz ele.
De acordo com Delfino, a pintura do mural foi feita a convite da própria prefeitura.
Se um novo prédio for erguido onde antes era o Wilton Paes de Almeida, a empena some de novo e, com ela, o mural dos Tupys. Mas isso não preocupa o artista.
"Desde o começo dos anos 1980, ocupamos vários lugares na cidade, e todos os nossos trabalhos foram apagados. Isso faz parte", diz.