Planos recusam teleconsulta, e pacientes ficam sem psicólogo
A interrupção do acompanhamento em meio a uma situação de isolamento social pode piorar transtornos como a depressão e a ansiedade.
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Brasil SAÚDE-PLANOS
RIO DE JANEIRO,RJ,E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O menino Vinicius, de três anos, tem perguntado à mãe onde está sua psicóloga. Há cerca de um mês, as atividades presenciais foram suspensas na clínica onde ele costumava ser atendido, na zona sul de São Paulo.
Diante da pandemia do novo coronavírus e da necessidade de isolamento social, a clínica solicitou aos planos de saúde a flexibilização do atendimento, para que o acompanhamento pudesse ser feito à distância.
Em comunicado, os pacientes foram informados de que a resposta das operadoras tem sido negativa. A professora Bianca Villela, mãe de Vinicius, também contatou o Metrus, seu convênio, para requisitar a cobertura, mas não teve sucesso.
Ela afirma que o acompanhamento psicológico ajudou a melhorar o comportamento do filho, que é agitado e apresenta algumas dificuldades de relacionamento.
"Tem sido muito bom fazer esse acompanhamento. Tanto pra ele, que gostava muito de ir lá, quanto pra gente. A terapeuta ajuda muito a achar soluções, caminhos, formas de lidar", diz.
A interrupção do acompanhamento em meio a uma situação de isolamento social pode piorar transtornos como a depressão e a ansiedade. Bianca e Vinicius são apenas duas das diversas pessoas afetadas pela dificuldade de transferência do atendimento para o meio digital.
A reportagem também conversou com outras duas pacientes e com uma psicóloga que foi obrigada a interromper os atendimentos.
Sheyla Cunha Couto, 46, é sócia de uma clínica de psicologia no centro do Rio, onde cerca de 180 pacientes são atendidos. Ela entrou em contato com o Bradesco Seguros, que não respondeu a sua solicitação, e com a Golden Cross, que disse que a possibilidade do teleatendimento estava em análise.
"A gente tem paciente pedindo, por favor, para ser atendido. Quando ele liga para o plano, o atendente diz que pode. Mas, se eles não autorizarem com algum documento, via e-mail, eu não tenho autorização para fazer uma modalidade que não consta", diz.
O CFP (Conselho Federal de Psicologia) regulamentou a consulta a distância em 2018, observando o sigilo do atendimento e outros cuidados éticos.
No fim do mês passado, diante da pandemia, o conselho flexibilizou essa modalidade de atendimento, suspendendo temporariamente algumas exigências para evitar a descontinuidade da assistência à população.
No mesmo período, o Ministério da Saúde também publicou portaria regulamentando a telemedicina, em caráter excepcional e temporário.
A presidente do CFP, Ana Fernandes, afirma que o conselho tentou articular com as operadoras para que elas cubram o teleatendimento. O conselho também solicitou que os profissionais informem quais convênios não estão liberando o atendimento à distância.
"A gente não tem autoridade e autonomia para impor e exigir, mas fizemos recomendações", diz.
Nota técnica da ANS (Agência Nacional de Saúde) publicada no fim do mês passado prevê a cobertura obrigatória dos atendimentos à distância realizados por profissionais de saúde que compõem a rede do convênio.
A agência determina que o reembolso, no caso dos planos com livre escolha de profissionais, também vale para o teleatendimento.
A ANS orienta que o acompanhamento à distância deve ser realizado a partir de um ajuste entre as operadores e os prestadores de serviço integrantes da rede.
Esse ajuste precisa identificar os serviços que podem ser prestados pelo teleatendimento, de quanto será a remuneração e o processo para faturamento e pagamento desses valores.
Do outro lado, os planos dizem que não têm se negado a cobrir os teleatendimentos. Eles afirmam que estão em processo de adaptação para oferecer essa modalidade de consulta com segurança.
Anderson Mendes, presidente da Unidas, representante de cerca de 100 planos de saúde, diz que a entidade está disponibilizando uma plataforma de teleatendimento para que o acompanhamento seja realizado de forma segura.
"Nossas operadoras estão recebendo uma enxurrada de pedidos. Gostaríamos de estar sendo mais céleres, mas é difícil quando tem uma situação inesperada. Não é tão simples assim, virar uma chave e está todo mundo autorizado. São dados sensíveis de saúde", afirma.
A questão da segurança das informações também é lembrada no caso do plano Metrus, que negou a cobertura para o menino Vinicius, citado no início da reportagem.
"Algumas clínicas ou beneficiários têm nos procurado para realizar o atendimento, mas através de ferramentas não seguras", afirma Cicera Carvalho, diretora de saúde do convênio.
Segundo ela, nas próximas semanas será disponibilizada aos prestadores uma plataforma que garantirá segurança aos pacientes e aos psicólogos. "Com histórico de atendimento e tudo o que o plano precisa para aprovar", diz.
Em nota assinada pela diretora executiva Vera Valente, a FenaSaúde não respondeu por que os convênios filiados à entidade não têm viabilizado a cobertura do teleatendimento, ou se há previsão para isso. A instituição representa planos como Bradesco, Amil, Golden Cross e Unimed.
A diretora afirma que a expectativa é de aumento do uso da telemedicina, mas que não há uma projeção consolidada de como será a demanda.
"É fundamental avançar com a regulamentação da telemedicina no país, de forma a garantir a qualidade do atendimento, assegurar o sigilo das informações e a preservação dos dados e proceder o adequado registro digital dos procedimentos", diz.
Também em nota, o Bradesco informou que está atualizando a base de prestadores e identificando quais prestam o atendimento à distância e estão em conformidade com a legislação, para poder garantir a cobertura.
Já a Golden Cross disse que tem viabilizado esse tipo de atendimento, buscando prestadores habilitados. Em paralelo, a operadora afirma que está trabalhando para oferecer o quanto antes uma plataforma própria para as consultas a distância.