Ato a favor da democracia acaba em confronto na Paulista
As manifestações, que começaram pacíficas, acabaram em confronto com a Polícia Militar (PM) e apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
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Brasil PROTESTO-SP
SÃO PAULO, SP, E RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Integrantes de diferentes torcidas organizadas dos quatro grandes clubes de São Paulo (Corinthians, Palmeiras, Santos e São Paulo) organizaram atos pró-democracia na avenida Paulista neste domingo (31).
As manifestações, que começaram pacíficas, acabaram em confronto com a Polícia Militar (PM) e apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).A via tem sido ponto de encontro de bolsonaristas aos domingos. Eles pedem principalmente o fim das medidas de distanciamento social durante a pandemia de Covid-19 e têm bandeiras antidemocráticas contra o STF (Supremo Tribunal Federal) e o Congresso.
Neste fim de semana, havia o temor de um possível confronto de manifestantes corintianos com palmeirenses identificados com o presidente da República.
Isso porque, no último domingo (24), alguns palmeirenses se reuniram na saída da estação Trianon-Masp do metrô e tiraram uma foto postada nas redes sociais com a legenda "Deus, Pátria, Família e Amigos! Odiamos gambá, estamos esperando vocês", em referência aos rivais.Apesar das ameaças, os atos deste domingo começaram de forma pacífica, por volta das 11h30, com gritos contra Bolsonaro inspirados em cânticos dos estádios. Os manifestantes levavam faixas pró-democracia.
A maioria dos presentes era de torcedores do Corinthians, mas um grupo de fãs do Palmeiras, autodenominados antifascistas, também esteve no local. Havia ainda, em menor número, são-paulinos e santistas.
A Polícia Militar criou um cordão humano para tentar isolar um grupo de manifestantes pró-Bolsonaro dos torcedores, mas houve pelo menos dois picos de confusão após discussões entre as partes.
A tropa de choque da PM utilizou bombas de gás e balas de borracha para dispersar o movimento de torcedores. Estes revidaram com arremessos de pedras, lixeiras e rojões. Pelas imagens disponíveis até o momento, não foi possível identificar confronto entre a polícia e o grupo bolsonarista.
Na ação, um fotógrafo da agência Efe se feriu na perna. Segundo a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, cinco pessoas foram detidas e conduzidas ao 78º Distrito Policial. Um homem de 43 anos, agredido no confronto, precisou ser levado à Santa Casa."Durante os trabalhos, houve briga generalizada, e a PM atuou para impedir o conflito entre os grupos antagonistas", diz a nota da secretaria.
Danilo Pássaro, 27, integrante da Gaviões da Fiel que organizou a manifestação pró-democracia, disse à reportagem que a confusão começou quando os torcedores já se preparavam para deixar o local.
"A polícia passou escoltando um grupo com camisetas de organizações neonazistas e outro com fardas de militares, dando simbolismo de intervenção militar. Passaram bem no meio da nossa manifestação quando estávamos indo embora. Isso iniciou o tumulto, e a polícia começou a atirar bombas e balas de borracha", afirmou.
Em entrevista à CNN Brasil, o coronel da PM Camilo Batista corroborou a versão de que bolsonaristas iniciaram o tumulto entre os grupos. Mais tarde, em contato com a reportagem, ele mudou sua versão. "A primeira informação é de que houve provocação [dos bolsonaristas] e estariam usando bandeiras neonazistas. Isso não se confirmou depois. As imagens, os atos, analisando claramente vamos saber quem começou. A polícia vai agir agora para manter a ordem. Não interessa o grupo, não interessa o lado."
O coronel, no entanto, conta que a PM só reagiu após pedras serem atiradas por manifestantes que estavam diante do Masp.
Enquanto recuavam, os torcedores fizeram barricadas e colocaram fogo em objetos. A estação Trianon-Masp do metrô foi fechada em razão do confronto na avenida.
O torcedor são paulino Federico Filipe, 25, afirmou que não queria sair de casa devido ao coronavírus, mas que a situação chegou a um ponto em que as pessoas contrárias ao autoritarismo têm que protestar: "Quando vi que a Democracia Corinthiana estava fazendo movimento, vi que era de verdade e pensei que valeria o risco. Precisa acontecer o enfrentamento", disse.
Do lado bolsonarista, apoiadores também afirmavam que saíram em defesa da democracia e que há uma perseguição à liberdade de expressão em curso.Em um carro de som com a trilha sonora do "meme do caixão" e uma faixa impressa com a mensagem "Governador João Doria Get Out Now" (Governador João Doria, saia agora), um manifestante afirmou que a intervenção já veio pelo voto popular.Quando viaturas da polícia passavam, eram ovacionadas. "Estou aqui em defesa da democracia, da liberdade de expressão e pela vergonha que sinto do STF", disse Vanderlei Alves, 43, analista de risco numa empresa de transporte.
RELAÇÃO DAS ORGANIZADAS
A mobilização política de torcedores começou a ganhar força desde o último dia 9, quando cerca de 40 corintianos, com faixas a favor da democracia, se manifestaram em frente ao Masp. A presença deles intimidou ato pró-Bolsonaro, que inicialmente havia sido marcado perto do museu. Por mais que muitos desses grupos tenham apoio de dirigentes das torcidas organizadas, não é possível dizer que as representem na totalidade. De forma geral, as uniformizadas têm evitado se posicionar politicamente, pelo menos de forma oficial.
A visão de presidentes e ex-presidentes de torcidas ouvidos pela reportagem é a de que a maior parte dos seus integrantes apoia o governo Bolsonaro."Somos em 120 mil gaviões associados, cada qual com sua opinião, seja de direita, esquerda, centro e até o perdido, mas o objetivo é defender a democracia, porque todo cidadão brasileiro com lucidez sabe o que é o militarismo", disse Pássaro.
"Não vamos nos meter com a política, temos todos os lados dentro da Independente e cada um age como quiser", afirmou Henrique Gomes, o Baby, da Independente, a principal organizada do São Paulo.
A Mancha Alviverde, maior torcida do Palmeiras, escreveu no Instagram neste sábado, em post sobre doação de equipamentos de higiene e máscaras: "O governo te esquece, mas a Mancha, não!".Para o juiz Ulisses Augusto Pascolati Junior, à frente do Anexo de Defesa do Torcedor, do Juizado Especial Criminal em São Paulo, as manifestações dos torcedores são válidas desde que ocorram de forma pacífica e que não tenham referências antidemocráticas.
"O Estado não pode intervir enquanto os grupos estiverem manifestando opiniões políticas, o que é legítimo e constitucional", afirmou o magistrado.
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) disse nas redes sociais que o Brasil deveria classificar grupos antifascistas como organizações terroristas.
Ao postar no Twitter mensagem do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em que ele defende essa medida, o parlamentar brasileiro escreveu: "Aqui eles se fantasiam de torcida organizada, mas todos sabemos que querem é desordem, baderna e confronto com manifestações pacíficas".
Em outros estados, como Rio de Janeiro e Minas Gerais, torcedores que se autodenominam antifascistas também convocaram manifestações a favor da democracia e contra Bolsonaro para este domingo.
Na orla de Copacabana, torcedores de um grupo chamado Fla Antifascista faziam um protesto pacífico durante a manhã quando encontraram membros de uma manifestação a favor de Bolsonaro.
Os dois grupos se estranharam, e a polícia utilizou spray de pimenta para dispersar os flamenguistas. Depois, um outro grupo, que protestava contra o racismo, entrou em confronto físico com bolsonaristas em Copacabana.
Os defensores do governo entoavam gritos que questionavam a gravidade da pandemia e o associavam a uma ditadura comunista. A manifestação continuou após a chegada da PM.