Nas periferias de São Paulo, volta às aulas gera incertezas
Em geral, todas as mães têm preocupação com o processo e os riscos de contágio da Covid-19. Por outro lado, a necessidade de trabalhar e não ter com quem deixar os filhos têm sido um problema durante a paralisação
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Brasil EDUCAÇÃO-SP
CARAPICUÍBA, SP (FOLHAPRESS0 - Em Carapicuíba, na Grande São Paulo, a manicure Karina Nascimento de Carvalho, 29, vê com preocupação a ideia de volta às aulas no começo de setembro, em meio aos casos de Covid-19. "Se para nós, adultos, já é difícil manter o isolamento, imagina para uma criança?", questiona.
Mãe de Rodrigo, 9, que cursa o 4º ano em uma escola pública estadual da cidade, ela entende que ficar em casa agora é o mais seguro, já que Rodrigo tem problemas respiratórios, como rinite e asma.
"Eles não vão querer ficar de máscara o tempo todo na escola, quando forem comer, vão querer dividir com o coleguinha, assim como compartilhar o lápis e a borracha. Eles são muito pequenos ainda, não têm a noção do perigo", afirma a mãe.
O sentimento de Karina não é um consenso entre as mães pelas periferias de São Paulo, mas indica as dificuldades do retorno presencial.
Em geral, todas as mães têm preocupação com o processo e os riscos de contágio da Covid-19. Por outro lado, a necessidade de trabalhar e não ter com quem deixar os filhos têm sido um problema durante a paralisação.
Karina trabalha no regime MEI (Micro Empreendedor Individual) fazendo unhas em um salão de um shopping localizado em Alphaville, bairro empresarial e rico de Barueri, cidade vizinha, na Grande São Paulo.
Voltou a trabalhar na segunda semana de julho e quem vem cuidando de Rodrigo é a mãe dela, Lucimar, 52. No entanto, nem sempre a avó pode ficar com a criança, pois precisa sair para consultas médicas.
Além disso, Karina conta que o filho encontra dificuldades em fazer as atividades escolares em casa. "Acredito que o ensino possa vir com o tempo, mas a vida não. É mais fácil a gente aprender depois do que perder as pessoas que a gente gosta", comenta.
No Sacomã, na zona sul de São Paulo, Karina Ramos de Lucena, 31, vive uma situação diferente. Há quatro meses, ela trocou a rotina na recepção de uma escola particular na Vila Prudente, zona leste de São Paulo, para ficar em casa em período integral com o filho Giovanni, 3, com quem mora no bairro Jardim Santa Tereza.
Demitida da escola, Karina espera uma recontratação quando as aulas voltarem o que fará com que o pequeno também precise voltar à escola.Giovanni é aluno de creche pública desde os sete meses de idade e Karina tem medo de perder a vaga que demorou seis meses para sair.
"Sou a favor da volta às aulas, eu digo por mim, que preciso trabalhar e não tenho nenhuma ajuda para cuidar dele", conta a mãe. "Vou precisar mandá-lo para escola, porque a única forma de sustentá-lo é voltar a trabalhar".
Porém, a recepcionista pondera que há necessidade de menos alunos por sala. "Eles têm que fazer um plano como nas férias, que só vão para escola as crianças cujos pais realmente trabalhem".
No estado de São Paulo, a previsão para o retorno presencial das aulas particulares e públicas estaduais é em 8 de setembro, o que depende do avanço da flexibilização da quarentena, o Plano São Paulo. O plano divide em cores as cidades com base no número de casos de Covid-19 e leitos hospitalares disponíveis para definir se comércios e estabelecimentos podem abrir.Inicialmente, a retomada das aulas seria possível se todo o estado ficasse por 28 dias na fase amarela de reabertura. No entanto, nesta semana o governo fez uma recalibragem no plano com novas regras. Caso 80% da população estiver nessa fase pelo período estabelecido, as aulas poderão ser retomadas presencialmente.
Dentro do plano de volta às aulas estão previstos alguns critérios de segurança. Na primeira etapa, cada escola só poderá trabalhar com até 35% da capacidade total em sala de aula, com exceção da educação infantil.
Alunos e funcionários deverão obedecer o distanciamento de 1,5 m de distância, os recreios e intervalos deverão ser feitos em turmas revezadas e EPIs deverão ser distribuídos para professores e funcionários, além do uso obrigatório de máscaras.
A opinião na casa da desempregada Dayana Alcântara da Silva Araujo, 24, caso a volta às aulas presenciais este ano seja obrigatória é unânime: seria melhor que os três filhos perdessem o ano."Meus filhos não vão voltar, prefiro que eles fiquem em casa, é um risco a menos que eles estão correndo. E se falarem que se eles não forem perderão o ano, tudo bem, vão perder. Prefiro eles em casa saudáveis", conta.
Dayana é mãe de Leonardo, 9, Jose Alejandro, 5 e Antony, 1. Ela mora com os filhos e o marido no bairro Jardim São Bento Novo, no Capão Redondo, extremo sul da cidade. Todas as crianças estudam em escolas municipais.
Mesmo com menos alunos por sala, ela diz não acreditar que as crianças conseguirão cumprir os protocolos sanitários. "Não vai funcionar, porque os funcionários não vão estar presentes em todos os momentos para ficar olhando as crianças. Mesmo se fizerem uma cota por sala, ainda são muitas".
Atualmente é Dayana quem cuida dos filhos enquanto também faz as tarefas domésticas, já que perdeu o emprego no início da pandemia. "A pandemia foi muito ruim para gente na questão financeira, se meu marido não estivesse trabalhando, teria que pedir ajuda aos familiares".
No âmbito municipal, a proposta de retorno às aulas presenciais foi aprovada em primeira votação na câmara na última quarta-feira (29) e passará por uma segunda rodada na casa na próxima semana antes de ir para sanção do prefeito Bruno Covas (PSDB).
O texto não fixa data para volta e prevê, dentre outras diretrizes, que os pais possam escolher se os filhos vão ou não às escolas, que os alunos tenham aprovação automática no ano letivo de 2020 e que uma parcela dos estudantes tenha ensino em tempo integral.
Além disso, autoriza a compra de vagas em instituições privadas de ensino e a contratação emergencial de profissionais, o que gerou críticas entre a oposição, parte da população e os profissionais da educação pública.
De acordo com uma pesquisa feita pelo Datafolha e divulgada no dia 26 de julho, para 76% dos brasileiros as escolas deveriam continuar fechadas nos próximos dois meses por causa da pandemia. É o que pensa Aparecida da Conceição Rodrigues, 40, moradora de Cidade Tiradentes na zona leste da cidade. Ela e o marido dividem a opinião de que a filha Sara, 11, só voltará à escola no próximo ano.
Aluna de uma escola pública municipal a jovem cursa o sexto ano e apesar de não estar muito motivada com as aulas on-line, se possível, continuará em casa. "Não gostaríamos de mandar, é muito difícil controlar essa criançada na escola", conta Aparecida.
Donos de um bar e mercearia, o casal de microempreendedores ficou com o comércio fechado por quase dois meses, quando a renda da família chegou a zero. "No começo foi um choque, estava muito assustada, mas estamos voltando aos poucos".
Com a retomada ao trabalho mas não às aulas, Sara fica com os pais no estabelecimento. Porém, Aparecida aponta outra solução para famílias que diferentemente dela não possuem com quem deixar as crianças. "Com certeza a volta opcional seria uma boa opção".
Na última terça-feira (29), o Conselho Nacional de Educação (CNE) recomendou aos sistemas de ensino de todo país a flexibilização do controle da frequência escolar e a garantia aos pais sobre a decisão da volta às aulas. O documento ainda precisa ser homologado pelo Ministério da Educação.