Quem teve Covid deve aguardar 7 semanas para ser operado, diz estudo
Esse é o período que leva para que a mortalidade em até 30 dias se equipare à de quem não teve a doença, de acordo com uma pesquisa que reuniu mais de 15 mil anestesistas e cirurgiões de 116 países, incluindo o Brasil
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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Pacientes que tenham sido diagnosticados com Covid-19 e que precisem fazer uma cirurgia, se possível, devem adiar os planos em pelo menos sete semanas. Esse é o período que leva para que a mortalidade em até 30 dias se equipare à de quem não teve a doença, de acordo com uma pesquisa que reuniu mais de 15 mil anestesistas e cirurgiões de 116 países, incluindo o Brasil.
A publicação saiu neste mês na revista científica Anaesthesia e constatou que pacientes operados que não tinham sido infectados pelo novo coronavírus tinham mortalidade de 1,5% após 30 dias. Por sua vez, aqueles operados entre zero e duas semanas morriam em 4,1% dos casos, praticamente a mesma cifra daqueles operados após três ou quatro semanas (3,9%).
O risco se mantém alto entre a quinta e a sexta semanas, em 3,6%, e só cai a partir da sétima, voltando ao patamar original, de 1,5%. Ao todo, informações de 140.231 cirurgias foram coletadas ao longo do mês de outubro de 2020 e analisadas pelo consórcio CovidSurg. Mesmo fazendo ajustes por idade, sexo e complexidade da cirurgia, a conclusão se manteve.
Com o risco de morte mais do que duas vezes o original no caso de quem teve diagnóstico de Covid-19 entre zero e seis semanas antes do procedimento, a conclusão dos autores não poderia ser outra a não ser recomendar o adiamento dessas cirurgias sempre que a situação permitir.
"Claro, há situações em que não se pode esperar, como em certos pacientes com câncer. É uma questão de customizar. Em relação a uma doença benigna o risco de óbito chega ao dobro. E, às vezes, não dá para esperar sete semanas, sob risco de a doença progredir rapidamente. Aí a gente tenta postergar o máximo que for possível", afirma Glauco Baiocchi Neto, da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica e um dos coordenadores do estudo no Brasil.
Se o estudo fosse feito apenas com pacientes brasileiros, 1.896, de 38 instituições, seria muito difícil tirar alguma conclusão. Para se ter ideia, apenas 2,2% dos pacientes de toda a análise tinham diagnóstico de Covid-19. Daí a importância de uma grande amostragem, a fim de obter poder estatístico, ou seja, a capacidade de uma análise detectar uma tendência relevante, caso ela exista.
Entraram na análise casos obstétricos, de trauma, oncológicos e também de condições benignas. Não fizeram parte do escopo procedimentos mais simples, como vasectomia ou retirada de pintas, relata Baiocchi Neto, que atua no A.C.Camargo Cancer Center, em São Paulo.
Outra conclusão importante do estudo é que também há risco aumentado de morte após a cirurgia quando a infecção por Covid-19 é assintomática, mas essa probabilidade é ainda 80% maior em quem tenha tido sintomas, mas já tenha melhorado. O pior cenário é fazer a cirurgia com sintomas da doença, o que quase quadruplica o risco de morrer nos 30 dias seguintes.
A complexidade da ação do Sars-CoV-2 no nosso organismo, com exacerbação da inflamação e prejuízo no funcionamento adequado dos vasos e da circulação sanguínea podem estar na base da explicação de por que a operação antes de sete semanas após o diagnóstico são mais arriscadas.
"É uma situação que depende da gravidade da Covid-19. Pacientes provavelmente têm algum déficit orgânico ou pulmonar, que pode afetar a recuperação e aumentar o risco de óbito", diz o cirurgião oncológico.
Segundo estimativa dos autores, ao longo do primeiro ano da pandemia, 28 milhões de cirurgias tiveram de ser adiadas ou canceladas, 70% do total. E esse panorama deve continuar grave em países que ainda estão com um alto número de novas infecções, como o Brasil.
Em um outro estudo feito pelo mesmo grupo, comandado por pesquisadores da Universidade de Birmingham, no Reino Unido, foi estimado o potencial de a vacinação contra a Covid-19 evitar mortes após cirurgias.
Nas contas dos pesquisadores, considerando pacientes entre 50 e 69 anos, a cada 1.621 vacinados, uma morte pode ser prevenida ao longo de um ano, para aqueles que passam por uma cirurgia não oncológica.
Para pacientes com câncer da mesma faixa etária, bastariam 559 vacinados para evitar a mesma uma morte ao longo de um ano.
Para os mais novos, dos 18 aos 49 anos de idade, o NNV (número necessário de vacinados) é maior, já que a mortalidade é menor nessa faixa etária. Para pacientes com mais de 70 anos, o poder da vacinação é ainda mais evidente. No caso desses idosos com câncer, 351 vacinados previnem uma morte ao longo de um ano.
"Enquanto os suprimentos são limitados, governos estão priorizando a vacinação para grupos com maior risco de mortalidade. Nosso trabalho pode ajudá-los a embasar essas decisões", afirma Aneel Bhangu, um dos líderes do estudo, em comunicado à imprensa.
É crucial que os formuladores de políticas usem os dados que coletamos para apoiar um reinício seguro das cirurgias eletivas; A vacinação deve ser priorizada para pacientes aguardando cirurgias eletivas em relação à população em geral", defende Dmitri Nepogodiev, também da Universidade de Birmingham.
A vacinação, argumentam os autores, também vai, provavelmente, reduzir a chance de complicações e, por conseguinte, o tempo de UTI. O trabalho saiu na última semana no British Journal of Surgery.