Cremesp investiga denúncia de violência obstétrica contra médico estrelado
Shantal Verdelho fez um desabafo onde acusa o obstetra Renato Kalil de violência obstétrica
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Brasil Mulher
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "Sou um rochedo, mas essa história me pegou. É uma história muito pesada." O desabafo da influencer Shantal Verdelho numa rede social nesta terça (14) era sobre o vazamento de áudio em que ela acusa o obstetra Renato Kalil de violência obstétrica.
O Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) abriu uma investigação sobre o caso e informou por meio de nota que as apurações tramitam sob sigilo.
Segundo a entidade, detalhes da acusação só serão revelados após o final do processo.
Considerado referência na obstetrícia brasileira e famoso por fazer partos de celebridades, Kalil nega as acusações, afirma que o parto ocorreu sem "qualquer intercorrência" e que o vídeo foi editado, com frases retiradas de contexto.
O caso veio à tona nesta semana, quando áudios e vídeos circularam na internet com frases desrespeitosas atribuídas ao médico e pronunciadas durante o parto da filha de Shantal, há cerca de três meses.
No registro em áudio, a influencer conta que, ao assistir ao registro do parto, feito pelo marido, Matheus Verdelho, viu que o médico a xingava sistematicamente. "É muito palavrão e xingamento o tempo inteiro", diz ela.
Shantal cita como exemplos as frases "Faz força, por**" e "filha da mãe, viadinha, ela não faz força direito". Além disso, a influencer relata que o médico "ficou com birra" porque ela pediu que Kalil não fizesse nela uma episiotomia, procedimento em que o períneo da mulher é cortado.
"Tem no vídeo ele me rasgando com a mão. A bebê não estava nem com a cabeça lá ainda. Não tinha a menor necessidade disso", conta ela. "Era só pra eu ficar realmente arrebentada depois e falar: 'Você tinha razão, eu deveria ter feito episiotomia'."
Pesquisas já apontaram que mais da metade das mulheres sofrem episiotomia durante o parto natural. Ao mesmo tempo, a OMS (Organização Mundial da Saúde) informa que a prática é necessária em apenas 10% dos casos.
O vazamento e a repercussão do caso levaram outras mulheres a se pronunciarem sobre episódios inadequados, machistas ou de assédio moral que teriam sido protagonizados por Kalil.
A jornalista britânica Samantha Pearson, correspondente do jornal The Wall Street Journal no Brasil, disse ao jornal O Globo ter passado por episódios traumáticos de assédio moral no consultório de Kalil.
Segundo Pearson, após o parto de seu primeiro filho, ela ouviu o médico dizer a seu marido que não se preocupasse porque havia "feito um ponto ali", referindo-se à vagina da paciente.
"Ele falava da minha vagina como se eu não estivesse ali. Passei semanas chorando sozinha em casa, sem saber se ele tinha dado mais pontos do que o necessário, com medo de transar, de sentir dor", disse a jornalista, de acordo com o jornal.
Anos depois, durante exame pré-natal de sua segunda gestação, Pearson teria ouvido do médico um comentário gordofóbico. "Samantha, você vai ter de emagrecer, porque senão seu marido vai trair você", teria dito o médico, segundo O Globo.
Por meio de sua assessoria, Kalil disse que é médico obstreta ginecologista há 36 anos e que, ao longo de sua carreira, já efetuou mais de 10 mil partos, sem nenhuma reclamação ou incidente.
A nota diz ainda: "O parto da sra. Shantall aconteceu sem qualquer intercorrência e foi elogiado por ela em suas redes sociais durante 30 dias após o parto. Surpreendentemente, o dr. Renato Kalil começou a receber nos últimos dias ataques com base em um vídeo editado, com conteúdo retirado de contexto. A íntegra do vídeo mostra que não há nenhuma irregularidade ou postura inapropriada durante o procedimento. Ataques à sua reputação serão objeto de providências jurídicas, com a análise do vídeo na íntegra".
Para a obstetriz Ana Cristina Duarte, ativista contra a violência obstétrica, "é muito difícil de caracterizar esse tipo de violência porque as pessoas costumam interpretar essas expressões como brincadeira, e não como violência".
Segundo a OMS, no entanto, violência obstétrica vai além das agressões físicas e inclui "humilhação profunda e abusos verbais, procedimentos médicos coercivos ou não consentidos, falta de confidencialidade, violações de privacidade".
Para a ativista, o caso de Shantal é importante porque, como há uma gravação, "não se trata de uma questão de interpretação".
"São falas misóginas que fazem parte da nossa estrutura social e deixam marcas na alma dessas mulheres. Esse médico faz parte de um esquema de atenção obstétrica ultrapassado e machista", diz.
Ela afirma que pessoas que trabalham com parto humanizado são "motivo de chacota e perseguição dentro das maternidades, enquanto médicos como Kalil são recebidos com tapete vermelho".
A escritora, roteirista e colunista da Folha Tati Bernardi afirma que nunca sofreu violência obstétrica, mas diz que passou por uma experiência ruim na única consulta que teve com Kalil. Ela estava grávida, e o médico nem sequer a examinou.
"Ignorou o que eu falava e só falou de si próprio. Expôs informações da esposa e também de outras pacientes. Achei ele um cara babaca, e nunca mais voltei", conta.
"Depois, pessoas conhecidas que fizeram parto com ele me disseram que, quando o parto era normal, ele dizia: 'Vamos dar o pontinho do marido, pra vagina ficar mais apertadinha para o marido'. Eu só pensei: 'Ainda bem que eu não fui mais lá."
A experiência inspirou duas colunas de Tati na Folha. Em uma delas, intitulada "Dr. Machismo", ela conta que se consultou com um médico "tratado como uma estrela intocável (de fato, me cobrou uma fortuna e nem sequer encostou em mim, suas assistentes é que fazem tudo)".
E segue: "Depois de solar ininterruptamente, por uma hora, sobre como ele era incrível, me sobraram cinco minutos para que eu perguntasse se era normal andar meio esquecida. Ao que ele respondeu, terno, elegante: 'Querida, mulher já é burra, imagina com a progesterona causando edema cerebral!' Nunca mais voltei ali".