Cerca 116 milhões de brasileiros foram afetados por desastres naturais desde 1902
Com a crise climática, a vulnerabilidade aos fenômenos naturais tende a piorar ainda mais
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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - No Brasil, pelo menos 116 milhões de pessoas já foram afetados por desastres naturais nos últimos 120 anos. Com a crise climática, a vulnerabilidade aos fenômenos naturais tende a piorar ainda mais.
É o que aponta um levantamento da empresa britânica de energia Uswitch, com base em um banco de dados internacional de desastres naturais, como incêndios, enchentes e epidemias.
Segundo o levantamento da companhia, de 1902 a 2021, constavam na base de dados mais de 15 mil desastres. Desses, 251 ocorreram no Brasil e causaram a morte de cerca de 13 mil pessoas.
A maior parte (154) dos desastres no Brasil são enchentes, seguidas de longe por deslizamentos (25), que são costumeiramente relacionados a chuvas.
O fim de 2021 e o começo de 2022 foram marcados por violentas chuvas e enchentes em diferentes regiões do país. No ano passado, as inundações na Bahia levaram à morte mais de duas dezenas de pessoas.
No começo deste ano, as chuvas em Minas Gerais mataram, ao menos, 24 pessoas.
No estado de São Paulo, da semana passada para cá, fortes chuvas e deslizamentos mataram também mais de duas dezenas.
Segundo Carlos Rittl, especialista em política pública da Rainforest Foundation, estudos, como os do IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental de Mudança do Clima da ONU), têm alertado para a grande vulnerabilidade do Brasil frente à crise climática, que tende a intensificar os eventos extremos.
Rittl aponta ainda que, de forma geral, as populações socialmente mais vulneráveis são também as mais sujeitas às mudanças climáticas. No Brasil, por exemplo, isso se traduz muitas vezes na ocupação de áreas de risco, como encostas de morros.
Apesar dos avisos de cientistas, o país não tem agido na construção de políticas que lidem com a questão de mudança do clima e desastres naturais, diz Rittl.
"As pessoas não vão conseguir se proteger sem política pública", afirma.
"O custo da inação, o custo de lidar com a emergência é muito maior do que prevenir. Os custos econômicos vão se tornar cada vez mais altos, mas o que não dá é a gente, em 2022, ficar vendo mortes de dezenas de pessoas em cidade estruturadas, como em São Paulo. Por que ainda temos um grande centro urbano com esse tanto de mortes? Isso é muito cruel", completa.
A Uswitch ainda calculou uma pontuação para os países mais afetados, levando em conta o número de pessoas atingidas, as mortes, o número de desastres e os gastos com os danos.
A lista é liderada pelos países mais populosos do mundo, China e Índia. No primeiro, cerca de 3,3 bilhões de pessoas foram afetados e 12,5 milhões morreram em 982 tragédias. No segundo, foram 2,5 bilhões de afetados e 9 milhões de mortes por 757 tragédias.
Na China, as tempestades lideram o número de desastres (319), seguidas por enchentes (311). Na Índia, os fenômenos aparecem trocados, com enchentes na primeira posição (315) e tempestades (207) em segundo lugar.
No ranking, que junta países com profundas diferenças de tamanho de população e de economia, o Brasil aparece na décima colocação.
Os desastres apontados pelo levantamento –que, vale lembrar, não se trata de um estudo publicado em revista científica, com revisão por pares– não necessariamente têm relação com a crise climática.
Inclusive, o ponto de partida de registro de fenômenos, o ano de 1902, é bem próximo às datas de referência pré-industriais adotadas para medir o aumento da temperatura global, derivado da emissão de gases-estufa.
Números expressivos de tragédias naturais no Brasil também já foram computados em estudos de órgãos como o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Levantamento com dados de 2013 a 2017 feito pelo instituto concluiu que 48% dos municípios brasileiros foram afetados por secas, 31% por alagamentos e 27% por enxurradas.
A crise climática, além de intensificar desastres naturais, leva a impactos na saúde da população que também podem causar mortes –mais de 200 mil casos de doenças renais no Brasil, nos últimos 15 anos, estão associados ao aquecimento global, segundo estudo recente, por exemplo.
Outra pesquisa recentemente publicada, na revista Communications Earth & Environment (do grupo Nature), apontou que a destruição da Amazônia junto com a mudança do clima provocada pelo ser humano podem deixar milhões de brasileiros vivendo sob calor intenso, com sensações térmicas que podem se aproximar ou superar os 34ºC na sombra.
Pesquisadores também têm apontado o potencial das mudanças climáticas tornarem o mundo mais propenso à transmissão de doenças infecciosas, com aumento do potencial epidêmico de doenças como dengue e zika.
Segundo Rittl, se nos próximos anos não houver uma retomada das políticas públicas focadas na crise climática, a população brasileira vai sofrer muito, em especial pela perda evitável de vidas.