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Caso de criança grávida mostra como violência sexual é naturalizada no Brasil

Especialistas falam em naturalização da violência sexual ao comentarem caso de menina que está grávida pela segunda vez, vítima de estupro

Caso de criança grávida mostra como violência sexual é naturalizada no Brasil
Notícias ao Minuto Brasil

06:48 - 13/09/22 por Folhapress

Brasil Estupro

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O caso da menina de 11 anos da zona rural de Teresina que está grávida pela segunda vez, vítima de estupro, mostra como o Brasil naturaliza a violência sexual, dizem especialistas.

A nova gestação da garota acontece um ano após ela ter dado à luz e não ter realizado o aborto legal a que tinha direito –a suspeita é que ela foi estuprada por um primo na ocasião e agora, por um tio.

A advogada Luciana Temer, presidente do Instituto Liberta, afirma que é importante olharmos para esta situação de forma não excepcional, pois casos como este são comuns no país. Ela cita ainda a pesquisa Datafolha encomendada pelo Liberta que aponta que apenas 11% das vítimas de violência sexual na infância denunciam agressão.

"É importante entendermos o que ela sofreu, que foi a violência sexual intrafamiliar, que é muito comum", diz a advogada. Temer diz que não sabe as questões médicas que envolvem o caso desta criança em questão, mas considera que ela não ter tido direito ao aborto já pode ser considerada outra violência.

"Vítimas de violência sexual têm tido sistematicamente o direito de aborto negado", diz ela. "É uma violência sistematizada. Essas meninas estão numa condição absoluta de objeto."

A advogada considera que o fato de a sua mãe ter negado o aborto por considerar que prática é crime se trata de uma consequência da desinformação.

"Não posso condenar uma mãe que não sabemos a qual violência ela está submetida", diz Temer. "Esse caso deve ser olhado da forma que possamos olhar o todo da nossa violência generalizada. Vemos o criminoso, onde foi que ele aprendeu que ele pode fazer isso?"

Desde que o filho nasceu, a menina abandonou a escola e se tornou uma criança calada que pouco sai de casa.

"Temos uma menina fora da escola que está condenada a uma situação de violência pelo resto da vida", analisa Temer. "Falta um olhar da escola que não vai atrás de buscar essa menina. Deveriam acolher ela e não deixar que ela parasse de frequentar. Mas, ela sofreu tanta negligência que ela engravida de um novo estupro."

Para a advogada, o problema se inicia quando a sociedade não fala da violência sexual "Temos um sistema de justiça, educacional e de saúde que não sabe lidar com a violência sexual. Ainda somos uma sociedade em que isso não é problema."

Temer alerta que a falta de olhar para essa violência traz consequências graves. "Não é algo pontual, é estrutural. Enquanto não enxergarmos isso como sociedade não vamos construir políticas públicas. Precisamos ter conversas sobre isso nas escolas e a criança não pode estar fora da escola."

Juliana Martins, coordenadora institucional do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, reforça que essa discussão não pode deixar de acontecer na escola e ressalta que em mais de 80% dos casos de violência sexual o autor é conhecido.

Neste caso, a criança deveria ter sido acolhida por meio de um atendimento psicossocial, que tratasse dela. "Os impactos disso nessa menina ainda vamos saber, mas o ideal é que ela pudesse ter um acompanhamento enquanto essas demandas vão surgindo. Além disso, é importante para se verificar essas relações familiares."

A promotora Fabiana Dal Mas, do Ministério Público de São Paulo, explica há três situações em que a interrupção da gravidez é permitida: em casos de estupro, risco para a mãe e anencefalia do feto.

Logo quando foi abusada pela primeira vez, ela deveria ter tido um atendimento psicossocial integrado e recebido todos os apoios que uma vítima de abuso tem direito previsto na Lei do Minuto Seguinte, que inclui métodos de prevenção de gravidez e doenças infectocontagiosas. "Se ela tivesse tido esse suporte lá atrás, talvez nunca tivesse engravidado", diz ela.

"Todos os pactos internacionais garantem que a criança deve ter uma assistência à saúde sexual e reprodutiva com dignidade. Nesse caso, a menina perde sua condição de criança e o direito à própria dignidade", afirma Dal Mas.

A promotora afirma que ao não garantir os direitos sexuais, as primeiras que vão pagar por isso são as meninas que seguem sendo vítimas de estupro. "Ao falhar, obriga-se que a criança sofra um ato de tortura e o argumento é que a família brasileira vai se proteger, mas a família não está protegendo."

Dal Mas pontua que, nos últimos anos, é comum que gestoras de escolas sofram perseguições ao tentar dialogar sobre violência de gênero dentro das instituições de educação. "Se não existe esse diálogo dentro da família, que é onde o agressor está, isso tem que ser transposto para a escola, que se não faz esse papel, contribui para a retroalimentação dessa violência."

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