Caso Miguel: Tribunal do Trabalho cita racismo e condena casal por danos morais coletivos
Sérgio Hacker e Sarí Corte Real foram condenados ao pagamento de R$ 386 mil de indenização
© Reprodução / Redes Sociais
Justiça TST
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O TST (Tribunal Superior do Trabalho) condenou o ex-prefeito de Tamandaré (PE), Sérgio Hacker, e sua esposa, Sarí Corte Real, ao pagamento de R$ 386 mil de indenização por danos morais coletivos.
O casal era empregador da mãe e da avó do menino Miguel Otávio, 5, morto em junho de 2020, depois de cair do 9º andar do prédio deles no Recife. Ele estava aos cuidados de Sarí, enquanto sua mãe passeava com a cadela da ex-patroa.
A Terceira Turma do tribunal decidiu, na última quarta-feira (28), de forma unânime, que o casal reproduziu padrão social discriminatório e racista em relação às trabalhadoras domésticas, "cuja contratação foi fraudulenta e paga indevidamente pelos cofres públicos".
Os ministros avaliaram que a exigência de trabalho durante a quarentena da Covid-19 e a negligência quanto às normas de segurança do trabalho, que resultou na morte do menino, foram gravíssimas violações humanitárias trabalhistas que agrediram drasticamente o patrimônio imaterial de toda a sociedade brasileira.
O advogado Ricardo Varjal, responsável pela defesa do casal, afirmou que vai recorrer da decisão.
A ação civil pública foi ajuizada pelo MPT (Ministério Público do Trabalho), que ouviu pessoas que trabalhavam no condomínio e constatou diversas irregularidades na situação das três funcionárias da casa.
Segundo as investigações do órgão, os empregadores exigiam que elas trabalhassem durante a pandemia, mesmo quando havia pessoas infectadas no apartamento.
Além disso, pagavam os salários com recursos da Prefeitura de Tamandaré, mas não recolhiam as contribuições previdenciárias, não pagavam o 13º e horas extras nem concediam direito a férias.
O MPT também argumentou que as empregadas trabalhavam sem ter seus direitos trabalhistas básicos garantidos e eram mantidas em atividade em total contrariedade a regras de saúde pública.
O órgão pediu a condenação do casal ao pagamento de indenização de R$ 2 milhões. A Justiça de primeiro grau decidiu cobrar R$ 386 mil, e a sentença foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (PE).
Os empregadores entraram com recurso, e o ministro Alberto Bastos Balazeiro, relator do caso no TST, avaliou que, no momento em que caiu do nono andar, Miguel estava sob a tutela jurídica temporária da patroa. Ele ainda avaliou que a situação constitui violência inequívoca à integridade psíquico-social das trabalhadoras.
Segundo Balazeiro, o caso revela uma dinâmica de trabalho permeada por atos estruturalmente discriminatórios, relacionado a cor da pele, gênero e situação socioeconômica das trabalhadoras domésticas.
"É de interesse de toda a sociedade a extirpação de condutas racistas, a partir das quais são reproduzidos padrões de comportamento que perpetuam a lógica esmagadoramente excludente do passado escravocrata do Brasil", afirmou.
O ministro Maurício Godinho Delgado classificou o caso como chocante e desumano. Ele disse que, lamentavelmente, as elites brasileiras, mesmo após quase 400 anos de escravidão, não retiraram a escravidão dos seus corações e das suas mentes e, por isso, reproduzem o racismo estrutural nas instituições, nas práticas cotidianas e na sociedade civil.
O relator ainda destacou que os registros do TRT revelam alguns dos benefícios obtidos pelos empregadores, entre eles a naturalização da fraude contratual envolvendo mulheres negras que, formalmente, eram empregadas do município de Tamandaré, embora prestassem serviços domésticos.
"Diante desse cenário, eles se beneficiaram do uso indevido do dinheiro público e da manutenção de uma lógica excludente e precarizante das trabalhadoras domésticas", disse.
O ministro explicou que analisou o processo a partir do protocolo de julgamento com perspectiva de gênero do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), aplicável aos casos que discutam desigualdades estruturais e seus efeitos sobre a sociedade e a Justiça.
O ministro José Roberto Freire Pimenta seguiu o entendimento do relator e destacou que o protocolo tem como objetivo avançar na justiça social por meio da adoção de medidas que possibilitem um ambiente de trabalho decente. Os ministros encerraram o julgamento ressaltando o caráter civilizatório da decisão e mantiveram o valor da condenação.