Região da cracolândia tem três homicídios e dois baleados em 15 dias
Em pleno centro de São Paulo, os moradores presenciam uma rotina de tiros e corpos estendidos no asfalto, situação que nos anos 1990 e 2000 eram restritas à periferia
© Getty
Justiça CRACOLÂNDIA-SP
(FOLHAPRESS) - O entorno da rua dos Protestantes, na Santa Ifigênia, onde atualmente se concentram mais de mil usuários de drogas da cracolândia, começou 2024 com um cenário digno de filmes de faroeste.
Em pleno centro de São Paulo, os moradores presenciam uma rotina de tiros e corpos estendidos no asfalto, situação que nos anos 1990 e 2000 eram restritas à periferia.
Nos 15 primeiros dias do ano, três pessoas foram mortas, e outras duas, baleadas entre a praça Júlio Prestes e a estação da Luz. Segundo a SSP (Secretaria da Segurança Pública), os mortos seriam suspeitos de tentativas de assalto.
Uma oficial administrativa de 48 anos, que mora nas proximidades do fluxo, como é conhecida a aglomeração de dependentes químicos, disse que o clima na região está pesado. Segundo ela, os assaltos que haviam diminuído voltaram a ocorrer com mais frequência, o que potencializa o medo após os casos de mortes e os estampidos de tiros. Para ela, a sorte dos bandidos é que a maior parte das vítimas dos roubos e furtos não são militares, caso contrário haveria mais homicídios.
Dos três mortos, dois foram baleados por um sargento do Exército e o outro, por um policial militar de folga. Em todos os casos a justificativa dada pelos autores dos tiros foi reação a uma tentativa de assalto.
O caso mais recente ocorreu na segunda-feira (15). No momento do crime, um grupo de moradores de um condomínio seguiam para um protesto na entrada da Sala São Paulo -a poucos passos do ponto do local- justamente para cobrar mais segurança na região.
Segundo a Guarda Civil Metropolitana, que atendeu a ocorrência, o sargento do Exército passava no cruzamento das ruas Mauá e Protestantes, por volta das 19h30, quando foi abordado por quatro pessoas. O agente teria sido revistado e, com receio de ter sua arma tomada, decidiu reagir.
O sargento atingiu três dos suspeitos. Dois deles tentaram procurar abrigo no fluxo, mas caíram feridos na rua dos Protestantes. O terceiro baleado caiu nas proximidades da sede da GCM (Guarda Civil Metropolitana), na rua General Couto de Magalhães, sendo levada para um hospital. O quarto suspeito fugiu no sentido da estação da Luz.
O caso foi registrado como roubo, homicídio e legítima defesa no 2º DP (Bom Retiro).
A reportagem teve acesso a imagens que mostram o momento da remoção do corpo de um dos mortos por um carro do IML, por volta da 1h de terça-feira (16). Durante quase cinco horas, moradores de prédios tiveram que se deparar com o cadáver e as manchas de sangue no asfalto ao abrir a janela.
A mesma moradora afirmou ser comum ver ou escutar assaltos na região. Segundo ela, o método dos ataques é semelhante ao sofrido pelo sargento do Exército, com um grupo de pessoas cercando a vítima e tomando seus pertences.
A outra morte confirmada na região ocorreu três dias antes, na manhã de sexta-feira (12).
Segundo a SSP, um homem não identificado até aquela data morreu após tentar roubar um policial militar por volta das 5h na estação Luz da linha 4-amarela.
O PM teria sido abordado por três ladrões. O homem baleado chegou a receber atendimento, mas morreu. Uma mulher de 44 anos foi presa. Com ela foi encontrado um punhal. Um terceiro suspeito fugiu.
O caso foi registrado como morte decorrente de intervenção policial e tentativa de roubo pela Delegacia do Metropolitano.
Na noite de sábado (6) um homem de 24 anos foi baleado e preso após tentar assaltar um policial militar à paisana na praça Júlio Prestes. O agente público seguia em direção ao batalhão quando foi abordado pelo suspeito, que sacou uma arma.
O PM reagiu e acertou o assaltante, que foi socorrido por uma equipe do Corpo de Bombeiros e levado para a Santa Casa. A arma que o baleado portava era de brinquedo. Antes de atacar o policial, o mesmo homem teria roubado a mochila de uma vítima de 59 anos.
O caso foi registrado como roubo e tentativa de roubo pelo 2º DP.
Apesar da presença mais incisiva de policiais militares e guardas-civis metropolitanos na região da cena aberta de uso de drogas, as gestões do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e do prefeito Ricardo Nunes (MDB) não conseguem por fim a uma crise que se arrasta há anos.
Em agosto de 2023 o porteiro João da Silva Souza, 54, morreu vítima de latrocínio na rua Mauá, após um ladrão tomar sua mochila. O ponto fica próximo ao local onde militar do Exército reagiu ao assalto.
De acordo com os números da SSP, em janeiro passado o 2º DP e o 3º (Campos Elíseos), que atendem a área no entorno da cracolândia, registraram um homicídio doloso cada.
Para a diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, a situação é preocupante, principalmente se comprovado que os mortos não estavam armados.
"A situação no centro piorou muito no ano passado, o que parece ser resultado tanto da gestão Nunes quanto da gestão Tarcísio. Foi a combinação das políticas de ambos que tornou aquele lugar ainda mais inseguro. Agora agentes do estado matando em circunstâncias questionáveis, isso abre um precedente perigoso, inclusive", disse Bueno.
"Vamos legitimar que qualquer agente do estado mate caso seja vítima de um roubo? Não tem outra forma de administrar a situação? E em uma região com tanta circulação há chance de você ainda ter terceiros atingidos por projéteis. Vai virar um bang-bang", acrescentou.
A reportagem também ouviu usuários do fluxo, que relataram que os policiais à paisana já ficam preparados para matar, numa espécie de armadilha.
Uma pessoa que atua na cracolândia com trabalho de redução de danos tem opinião semelhante. Para ela, a versão de que policiais são roubados ocorre para esconder possíveis execuções de pessoas já conhecidas por roubos de celulares.
Em nota, a SSP declarou que os três casos citados são investigados pela Polícia Civil. Segundo a pasta, no comparativo entre 2022 e 2023 houve redução de 7,2% nos furtos e 16,4% nos roubos até novembro. Houve ainda no centro a prisão ou apreensão de 5.983 infratores, além da adição de 120 policiais militares nas ruas, segundo a pasta estadual.
A Prefeitura de São Paulo afirma atuar em conjunto com os órgãos estaduais para a melhoria da segurança na região central. "Com objetivo de reduzir a violência na região, a administração municipal reforçou em 1600 o número de guardas-civis naquela área, com mais 77 viaturas e 140 motos. Além disso, foram instaladas 1.297 câmeras do Smart Sampa", afirma.
Leia Também: Suspeitos de extorquir R$ 1,4 milhão de vizinho idoso são presos no ES