Morro da Mangueira teve 'camarote' especial na abertura da Rio
O barulho dos helicópteros rivaliza com o de uma mistura sonora que vai do funk batidão ao samba
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Brasil Olimpíadas
O Cristo está lá no alto, com o Maracanã explodindo em cores aos seus pés. Rodeada pelos morros do Salgueiro, da Formiga e de Andaraí, a janela de Roselena Anastácio está escancarada para o estádio. O barulho dos helicópteros rivaliza com o de uma mistura sonora que vai do funk batidão ao samba. Com um olho na TV e outro no estádio, ela não cansa de elogiar: "Gente, como é bonito!".
Desde que nasceu, há 36 anos, Rose, como gosta de ser chamada, vive na Mangueira, numa localidade chamada Pedra. "É um momento de graça. Ao menos agora, né?", observa. "A cidade foi toda maquiada às pressas. Esses remendos não vão durar muito. Aí, o Rio volta ao normal", critica. "É só para gringo e imprensa verem."
E jornalista era o que não faltava na noite de abertura da Olimpíada, nesta sexta (5), nas lajes da Mangueira. Exaltada em tantos sambas e canções, a favela atraiu flashes e câmeras do mundo todo.
Apenas na vizinhança de Rose, voltada para o Maracanã, eram 14 equipes com 26 jornalistas, quase todos estrangeiros.
A família da empregada doméstica alugou cinco lajes. Algumas delas eram dignas de camarote, com direito a samba, cerveja, churrasco, vinagrete e farofa. De entrada, salgadinhos.
Ao som de "Cheia de Manias", do Raça Negra, a cozinheira Jaine Espírito Santo, 30, que vive na Mangueira há dez anos, não perdeu a oportunidade de cantarolar.
Ao escancarar um sorriso no rosto e abrir as portas de sua casa, mostrou simpatia e talento de anfitriã. Colocou um vestido novo, pintou as unhas, caprichou no batom e passou a dar entrevistas, enquanto o marido, Hermes, comandava a churrasqueira improvisada no chão: "É uma comunidade muito carente", conta ela.
"Às vezes, rolam uns tiros. Dizem que os caras estão testando as armas, mas hoje é dia de paz."
A Mangueira foi pacificada em 2011. Para o guia Rogério Vaz, 31, a noite de abertura olímpica foi especial para os moradores da favela, e mais ainda para ele.
Vaz conduziu 50 profissionais de imprensa até as lajes com suas vistas privilegiadas para o Maracanã.
"Conheci gente da Alemanha, da Argentina, do Chile, de Portugal e dos Estados Unidos, tudo nesta noite. Estamos tranquilos, todos bem", comemora.
Cada equipe pagou R$ 120 pela locação da laje. Cervejas e refrigerantes, assim como o churrasquinho, foram pagos à parte. Mototáxis conduziram as equipes. Em dias comuns, a subida do morro sai por R$ 3, mas era feriado e dia de festa, então o valor subiu para R$ 5. Bagagens tinham tabela própria: o preço variava de R$ 4 a R$ 6, a depender do peso, medido no olhar.
Segundo Thiago Santana Peçanha, 31, vice-presidente da Associação de Moradores do Complexo da Mangueira, o dinheiro arrecadado foi dividido entre os guias da favela e os donos das lajes.
"Não fomos beneficiados em absolutamente nada com a Olimpíada", reclamava.
Pelo seus cálculos, o dinheiro usado na reforma do Maracanã somou seis vezes o montante que a comunidade necessita para obras básicas de infraestrutura. "A festa está acontecendo no nosso quintal e, infelizmente, não fomos convidados."
Ao abrir as vielas da favela para a imprensa planetária, o vice-presidente da associação acredita que a ação pode ir além de uma bela e simples visita turística.
Pode também favorecer a Mangueira. Ele explica: "Com a imprensa circulando por aqui, temos a oportunidade de o mundo descobrir como a gente vive, como a comunidade é um lugar carente e, assim, pressionar as autoridades".
A grana arrecadada com a promoção olímpica, é claro, ajuda, mas está longe de satisfazer a todos.
"Queria tanto estar lá dentro...", desabafa a dona de casa Caroline Felício, 27, enquanto amamenta o filho, Ykaro Phyetro, quatro meses.
Com o rosto voltado para o Maracanã, à espera de mais um foguetório, complementa: "Olha, só ver os fogos não basta. Falta a emoção que está contagiando aquelas pessoas lá dentro". Não deixa de ter um fundinho de verdade. Com informações da Folhapress.
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