Organizações levarão operação na cracolândia a comissão internacional
Entidades consideram abusiva operação policial coordenada pelas administrações municipal e estadual
© Paulo Whitaker / Reuters
Brasil OEA
As organizações civis Plataforma Brasileira de Políticas de Drogas e a Conectas Direitos Humanos denunciarão em audiência na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), nesta quarta-feira (24), a operação coordenada pelo governo do Estado e pela Prefeitura de São Paulo na região da cracolândia, ocorrida no domingo (21).
As duas entidades levarão o caso ao órgão, que é ligado à OEA (Organização dos Estados Americanos). Após isso, o episódio será registrado em um relatório que encaminhará recomendações da CIDH ao Estado brasileiro. A comissão é um braço do sistema de promoção e proteção de garantias humanitárias nas Américas.
Originalmente, a reunião iria tratar do contingente de pessoas presas no Brasil em decorrência do envolvimento com o tráfico de drogas. Depois do episódio do último fim de semana, as organizações civis decidiram acrescentar à audiência o caso da cracolândia.
De acordo com a Plataforma e a Conectas, as gestões João Doria (PSDB) e Geraldo Alckmin (PSDB) agiram de forma desproporcional para coibir o tráfico de drogas na região, que fica no centro da capital paulista e é ponto de reunião de dependentes químicos.
Em operação policial coordenada em conjunto pelas administrações municipal e estadual, 900 agentes da polícia foram mobilizados para prender traficantes na área. O Denarc (Departamento de Narcóticos) mirava 69 deles, além de desmanchar uma feira de drogas local. Ao todo, 50 pessoas foram presas e três adolescentes apreendidos.
Dependentes químicos que costumavam se concentrar na alameda Dino Bueno foram dispersados, comércios foram emparedados e imóveis deverão ser demolidos. Na tarde desta terça (23), a parede de uma pensão chegou a ser derrubada no início da ação da prefeitura, mas pessoas ainda estavam no local. Três delas ficaram feridas.
A Plataforma e a Conectas afirmam que a operação policial usou mais força do que seria necessário. "Isso exemplifica como é a política de drogas no Brasil. Não tratar como uma saúde pública, mas como uma questão de violência", diz à Folha o coordenador de relações institucionais da Plataforma Brasileira de Políticas de Drogas, Gabriel Santos Elias.
Segundo ele, a operação policial foi um desdobramento de abordagens que privilegiam encarcerar dependentes químicos, em detrimento de práticas de prevenção e de assistência.
Doria chegou a dizer, no domingo, que a cracolândia "acabou", depois que usuários de droga deixaram o local onde costumavam se concentrar. No mesmo dia, o prefeito decretou o fim do programa do antecessor Fernando Haddad (PT), De Braços Abertos, e anunciou seu programa, Redenção.
O novo programa unirá parte do De Braços Abertos, que buscava recuperar dependentes com redução dos danos causados pelo consumo e a oferta de trabalho, com o Recomeço, do governo estadual, que faz a internação compulsória de usuários para afastá-los das substâncias.
"O Estado está legitimando novas formas de encarcerar usuários pela via da internação, contrariando orientações internacionais e a própria legislação brasileira", critica Elias.
Procuradas pela reportagem, as gestões Doria e Alckmin ainda não se manifestaram.
ENCARCERAMENTO
A audiência, que trataria da superlotação de presídios e será em Buenos Aires, estava marcada desde março. De acordo com a Plataforma e a Conectas, um dos motivos para o excesso de contingente nas prisões no Brasil é a atual forma de aplicação da lei brasileira 11.343/2006, conhecida como Lei de Drogas.
De acordo com dados do Ministério da Justiça, desde quando a regra foi promulgada, em 2006, até 2014, o número de pessoas presas por tráfico de substâncias ilícitas saltou de 31 mil para 174 mil. Atualmente, 28% da população prisional responde por crimes relacionados à Lei de Drogas.
O aumento do encarceramento, segundo as organizações civis, é motivado por excesso de rigor na aplicação das penas pelo crime de tráfico, previsto na legislação. Elas afirmam que o país desconsidera as diferentes categorias do crime, como a diferença entre pequenos e grandes traficantes, e os tipos de punição determinados na regra.
Após a audiência, CIDH recomendará ao Brasil mudanças na aplicação da Lei de Drogas. Com informações da Folhapress.
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