Moradores de rua reclamam de jato de água da gestão Doria
A ação de limpeza foi alvo de queixas e críticas nesta quarta (19)
© Reuters / Nacho Doce
Brasil Frio
Após a madrugada mais fria do ano, moradores de rua da praça da Sé, no marco zero da cidade de São Paulo, amanheceram com jatos de água de equipes municipais -que também deixaram roupas e cobertores molhados.
A ação de limpeza, feita rotineiramente pela gestão João Doria (PSDB), foi alvo de queixas e críticas nesta quarta (19), horas após a capital ter registrado 7,9ºC - a temperatura mais baixa até então havia sido de 8,6ºC, em 5 de julho.
"Jogaram água logo cedo e voou vapor de água sobre todas as barracas. Estava muito frio. Fizeram a gente desmontar as barracas. Não temos mais paz para ficar aqui. O que eles querem fazer é ocultar a gente da sociedade", reclamou Alyson Almeida, 20, que dorme na praça da Sé há quatro anos e se queixa da ação iniciada a partir das 6h30.
"É uma humilhação isso aí, e no maior frio. A gente estava dormindo e chegaram jogando água. Eles molham todo mundo, não estão nem aí. Depois quem morre é a gente, e não eles, que têm as casas e os empregos deles", diz Daniela Batista de Oliveira, 28, moradora de rua da região.
As queixas retomam uma polêmica também acentuada no último ano da gestão Fernando Haddad (PT) em relação ao tratamento dado por agentes públicos a moradores de rua no período de inverno.
Em 2016, a gestão petista foi criticada após GCMs (Guardas Civis Metropolitanos) confiscarem colchões e papelões dessa população no frio.
Haddad alegava que a medida visava evitar uma "favelização", mas acabou depois criando um decreto para proibir a retirada desses bens.
A ação na praça da Sé, noticiada pela rádio CBN e confirmada à Folha de S.Paulo por relatos de moradores de rua, ocorreu também um dia após a confirmação da morte de um morador de rua em meio à onda de frio -em Pinheiros (zona oeste), sem sinais de violência, indicando que a temperatura pode ter sido um agravante.A gestão Doria diz que notificou as empresas de limpeza "para que apurem se houve intercorrência" na região da Sé, mas negou que jatos de água tenham sido direcionados a moradores de rua.
"Hoje dois movimentos, por uma circunstância, molharam alguns cobertores das pessoas em situação de rua. [Mas] jamais profissional, seja da prefeitura ou terceirizado, jogou jatos de água nas pessoas. Essa é uma mentira", disse Doria em vídeo divulgado em rede social.
Segundo a prefeitura, as pessoas são abordadas, informadas sobre a ação e, em seguida, é solicitada a retirada dos pertences do local que será limpo. Ela disse ainda que distribuiu cobertores e meias a moradores na região da Sé.
A gestão Doria afirmou que equipes intensificaram as abordagens no frio para convencer as pessoas em situação de rua a aceitarem acolhimento em abrigos.Na tarde de terça-feira (18), porém, havia filas e dificuldade de vagas para abrigar parte dos interessados.
"Os termômetros estavam marcando menos de 10ºC. Vieram tirar barraca, jogaram água cedinho, começaram a brigar para não levar os pertences. O prefeito tinha que dar uma assistência melhor", disse José Carlos dos Reis, 59.
"A ordem é para jogar água e tirar as barracas. Quando não tiramos, a GCM (Guarda Civil Metropolitana) vem e dá baculejo na gente, faz levantar e ficar em fila", diz Alyson.
+ Doria diz que morte de morador de rua não é 'ônus' só da prefeitura
LUXO
Nos Jardins, região próxima geograficamente e distante economicamente da Sé, o frio não foi problema nesta quarta (19): atraiu turistas interessados em se vestir bem, conhecer as lojas exclusivas e tomar bebidas quentes.
"Vim dar uma volta na Oscar Freire depois de passear no Ibirapuera. O frio é bom para tomar café, sentar, comer um bolo", diz a quiroprata Raquel Korbes, 31, que mora em São José dos Campos.
"No frio, as pessoas se vestem bem melhor e parecem mais chiques. Não fica aquela coisa vulgar do verão."
"Independente da região e da classe social, as pessoas ficam mais elegantes no inverno", diz Rosângela Lyra, presidente da Associação de Comerciantes dos Jardins.
"O frio de São Paulo está parecido com o de um país muito desenvolvido, o que não somos ainda", acrescenta. Com informações da Folhapress.