Facções impulsionam mortes em áreas turísticas do litoral do RJ
No Mapa da Violência de 2016, com dados de 2015, a cidade já era a 17ª do Estado em proporção de mortes por arma de fogo por 100 mil habitantes
© Sergio Moraes/Reuters
Brasil Realidade
A viagem de carro do Rio de Janeiro até Angra dos Reis pela estrada Rio-Santos tem algumas das vistas mais bonitas do Estado. Bordejando a costa do alto das montanhas, à esquerda está o mar, e à direita, a encosta do morro. À medida que o município de Angra se aproxima, passa-se a ver, de um lado, baías, praias e ilhas; do outro, pontos de ônibus pichados na lateral com as siglas "CV" e "TCP".
As pichações são referências às facções Comando Vermelho e Terceiro Comando Puro, as duas maiores do Estado e que vêm expandindo sua presença no interior do Rio. Na tendência nacional de recrudescimento da violência no interior dos Estados, Angra dos Reis e a região dos Lagos -Cabo Frio e Búzios, por exemplo - têm visto aumento de mortes violentas e outros crimes.
O problema afeta principalmente os moradores das favelas, as quais cresceram muito nas últimas duas décadas. De vez em quando, vitima turistas também.
Angra, que era mais conhecida por suas praias e mansões, tem chamado a atenção por cenas rotineiras na Região Metropolitana do Rio, mas inéditas por esses lados: crianças deitadas no chão das escolas para se proteger de tiroteio, explosão de caixas de bancos, traficantes armados com fuzis na beira das favelas, de olho em quem chega e em quem sai.
Há particularidades da região. Nos últimos dois meses, duas vezes criminosos explodiram caixas eletrônicos e depois fugiram pelo mar. No entanto, o que acontece lá é o que se vê na capital e no resto do Estado: facções criminosas mais bem armadas com disputas internas por poder e com outras facções por controle de território, diz a polícia.
A violência nas favelas da cidade está em seu pior patamar, e não é de hoje. No Mapa da Violência de 2016, com dados de 2015, a cidade já era a 17ª do Estado em proporção de mortes por arma de fogo por 100 mil habitantes.
A taxa era de 29,6. Até novembro de 2017, 153 pessoas haviam morrido de forma violenta na cidade, quase o total de 2016 (158), ano que registrou a maior quantidade dessas mortes desde o início da série histórica, em 2003.
Segundo o delegado responsável pela área, Bruno Gilaberte, a maior parte dessas vítimas era ligada ao tráfico. Não há policiais entre elas, mas as mortes decorrentes de oposição à intervenção policial -ou seja, o número de pessoas mortas pela polícia- explodiu este ano.
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Foram 26 até novembro. Antes disso, o número anual havia variado entre zero, em 2010, a 15, em 2015.Sendo assim, os principais afetados são os moradores de favelas, que hoje representam 34% da população da cidade.
"Fico nervoso pela minha filha, que tem três anos. De modo geral, não é um ambiente bom para criar uma criança, mas o que mais me dá medo é bala perdida", diz um morador da favela do bairro do Frade, um dos mais conflagrados no momento.
Gilaberte diz que esse recrudescimento da violência não atinge os turistas, mas, em 2017, ao menos dois estrangeiros foram feridos por balas ao entrar por engano em favelas. Para o delegado, são casos pontuais, que não representam a situação mais ampla de segurança dos visitantes da cidade. Ele explica o recrudescimento da violência de três formas: o aumento do poder bélico do tráfico, a expansão e capilaridade das facções e a falta de oportunidades de trabalho.
DESEMPREGO
A cidade vive principalmente de estaleiro, usina nuclear e empregos da prefeitura. Os dois primeiros estão fechando milhares de postos de trabalho. O estaleiro Brasfels chegou a ter 12 mil contratados. Hoje tem cerca de 2.000, segundo o Sindicato dos Metalúrgicos.
"A nossa região foi muito afetada por essa crise. Quando estaleiro e usina vão bem, contratam muito, mas quando estão mal, como agora, as pessoas ficam sem perspectiva. Isso não é um problema que a polícia possa contornar", diz o delegado.
Além disso, afirma ele, há o problema da crise dos cofres públicos, que deixa policiais sem pagamento por serviço extra e sucateia o equipamento da tropa. Segundo o delegado, a maior parte das favelas é controlada pelo Comando Vermelho. Ele vem observando que hoje em dia há muito mais intercâmbio entre os traficantes de Angra e do Rio. O bairro do Frade, por exemplo, tem muitos que vêm de Santa Cruz, bairro da zona oeste do Rio.
Daniel Misse, do departamento de Segurança Pública da UFF (Universidade Federal Fluminense) desenvolve uma pesquisa sobre a violência nessa região e tem uma tese com a qual o delegado de Angra concorda: ele suspeita que esse fortalecimento das facções fora da capital tenha a ver com encarceramento.
Quando pessoas detidas em outras cidades são enviadas para presídios na capital, elas acabam entrando para as facções dentro da prisão, e voltam para suas cidades de origem com contatos e conhecimento. Até o momento, sua pesquisa mostra uma coincidência entre essas duas coisas, mas ainda não aponta de forma objetiva para uma relação causal entre elas. Com informações da Folhapress.