'O que envolve política e Forças Armadas não acaba bem', diz analista
Após o decreto de Intervenção Federal de caráter Militar no Rio de Janeiro, instalou-se a polêmica no país
© Bruno Kelly/Reuters
Brasil Opinião
A Sputnik Brasil conversou com Ricardo Gennari, diretor-executivo da Tróia Intelligence, Think Tank especializado em Segurança Pública. Ricardo nos respondeu sobre política de segurança, letalidade do Exército, e sobre o impacto na população mais carente.
Após o decreto de Intervenção Federal de caráter Militar no Rio de Janeiro, instalou-se a polêmica no país sob um novo capítulo do tumultuado governo de Michel Temer.
Em ano eleitoral, as ações do governo se voltam cada vez mais à segurança pública. Com o passar dos dias fica evidente o caráter político da medida e salta aos olhos que o ônus da operação cairá sobre os ombros da população pobre e negra do Estado.
Ricardo Gennari, concorda com essa avaliação, e acredita que podemos esperar mais problemas advindos dessa operação.
"Essa proposta tem um viés político. E tudo que tem política e envolve Forças Armadas com polícia, não acaba bem", afirma.
Apesar da aprovação do decreto, a operação ainda não começou oficialmente e o governo não divulgou nem plano, nem orçamento para as ações do exército. Para Gennari, a operação já está em vigor, pois desde o ano passado vale no estado um decreto de Garantia da Lei e da Ordem, com presença do Exército e da Força Nacional.
"O militar, o soldado, seja soldado ou general, é feito para matar"
Uma das maiores preocupações demonstradas pela opinião pública tem sido a utilização das Forças Armadas para esse tipo de operação. Diferente da polícia, as Forças Armadas tem como princípio defender a nação de um inimigo, geralmente estrangeiro. Portanto, o treinamento e a ação de um soldado do Exército utilizam outros fundamentos, e têm o foco na ação.
Para Ricardo Gennari, "O militar, o soldado, seja soldado ou general, é feito para matar. Porque ele está defendendo o país, é guerra. Aqui [Rio de Janeiro], como eu disse, ele [o soldado ou militar] não vai usar esses instrumentos de guerra, mas vai entrar em confronto".
As áreas das operações no estado têm se concentrado em locais de periferia, mas para Ricardo, não é só lá que estão os traficantes. "Com certeza as áreas que serão mais atingidas vão ser a da população mais carente. A gente sabe que tem traficante no morro e a gente sabe que tem na Vieira Souto [avenida na orla de Ipanema] também e na Barra da Tijuca", afirma. Para ele, a política mais adequada seria a de operar em todos os níveis da sociedade, com ações conjuntas do Judiciário e do Ministério Público.
"Você também tem que fazer um processo de ir aonde está o recurso, é o famoso 'follow the money' […], o governo tem que ver a questão financeira. Para onde estão indo esses recursos? Por onde está passando? Porque a droga é dinheiro, você compra armas com dinheiro", concluiu Ricardo Gennari.
Na segurança, política pública do improviso e do encarceramento
"O Brasil, até hoje, nunca teve uma política de segurança pública eficiente", afirma o analista do Think Tank Tróia Intelligence. Uma das maiores preocupações do especialista é a falta de organização do governo em relação à segurança pública, que é tratada na base do improviso e da bala. Para ele, falta seriedade no trato com a segurança pública no país. O modelo vigente insiste em um formato improvisado, com elevados índices de letalidade e encarceramento.
Em 2017, o Brasil registrou 61.283 assassinatos, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Além disso, segundo dados do Infopen, se tornou a terceira maior população carcerária do mundo. Nos últimos 11 anos a continuidade e aprofundamento dessa política dobrou o número de presos no Brasil.
"Os governantes brasileiros, os nossos representantes, também o Legislativo, eles nunca se preocuparam com isso. Então, quer dizer, sempre tudo foi na hora. Nós já tivemos mais de 5 planos nacionais de segurança. Efetivamente nós nunca vimos nada de efetivo", afirma o diretor-executivo.
Para ele, há também a necessidade de garantir todos os recursos necessários para a plena ação do Exército.
Além do prejuízo enorme causado às populações nas áreas mais pobres, frequentes alvos desse tipo de ação, a política de segurança pública do país dá espaço ao poder paralelo, pois o Estado se ausenta de sua responsabilidade.
"Só que é aquela história, o vácuo de poder alguém vem e ocupa. O crime organizado vem crescendo. Então, virou um negócio muito grande.[…] E o Estado nunca acompanhou isso como deveria acompanhar", afirma Gennari. Para ele, há risco de a situação no país se tornar incontrolável, o que seria culpa principalmente da falta de planejamento dos governos.
Crise é também de confiança
Muita desconfiança gira em torno da operação devido ao histórico de ações do Exército no Rio de Janeiro. Logo após o anúncio, as redes sociais se encheram de críticas e ações de conscientização. Um grupos de jovens negros chegou a divulgar um vídeo que foi visto milhões de vezes, em que explicam procedimentos de abordagem e formas de evitar violência por parte das forças de segurança.
Uma das medidas mais polêmicas que poderia acompanhar a Intervenção Federal seria a possibilidade de mandados coletivos para entrar nas comunidades.
Em março de 2014, ainda sob o governo de Dilma Rousseff, do PT, o complexo de favelas da Maré foi ocupado pelo Exército, e um mandado de busca e apreensão coletivo foi emitido pela Justiça do Rio para que a Polícia Civil, por meio de seus delegados, pudesse fazer revistas nas favelas da região. A Intervenção Federal de 2018 no Rio pode ser a primeira do tipo desde 1988, no entanto, pelo menos desde 1992, o Exército Brasileiro foi utilizado 37 vezes em ações no estado.
Em mais de uma ocasião, o comandante geral do Exército Brasileiro, o general Eduardo Villas Bôas, demonstrou descontentamento com o constante emprego das Forças Armadas nessa situação.
No entanto, o próprio general deu declarações controversas durante a reunião do Conselho da República, órgão consultivo que deve ser ouvido antes de uma intervenção. O general pediu "garantia para agir sem o risco de surgir uma nova Comissão da Verdade", referindo-se à Comissão instalada no Governo de Dilma Rousseff para avaliar crimes e abusos realizados durante a ditadura. A polêmica declaração demonstra mais de um nível de descontentamento, já que Villas Bôas também exigiu recursos para a execução da intervenção.
No ano passado, a aprovação da Lei Nº 13.291/2017 também gerou polêmica, ao transferir o julgamento de crimes contra civis cometidos por militares para a própria Justiça Militar, o que para os movimentos sociais criaria impunidade.
Governo dá guinada em direção à segurança pública
Com o apoio do presidente da casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), um pacote de medidas de segurança pública deve começar a ser discutido já na próxima semana na Câmara dos Deputados.
Um dos itens mais polêmicos seria a mudança na legislação de porte de armas, que ficaria facilitada, uma proposta da chamada bancada da bala.
Um projeto desse teor já foi aprovado na comissão especial da Câmara, com relatoria do deputado Alberto Fraga (DEM-DF), que afirmou à imprensa que o projeto também poderia incluir a possibilidade de o portador da arma poder levá-la para as ruas.
Além disso, o projeto de Sistema Único de Segurança Pública (Susp) com articulação estabelecendo regras gerais para as polícias Militar, Civil, Federal Bombeiros e Força Nacional. O texto é do Executivo e circula desde 2012 e conta com a articulação de Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) indicado por Temer quando ainda era Ministro da Justiça.
Caso criado, o Susp será subordinado ao novo Ministério da Segurança Pública, confirmado pelo governo apenas um dia após o decreto de Intervenção Federal. Com informações do Sputnik Brasil.