Homem tentava salvar moradores ao ser engolido pelo fogo
"Já tinha dado a primeira explosão e ele gritava: vou subir para mandar o povo descer", contou uma moradora
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Brasil Incêndio
Poucos o chamavam de Ricardo. Talvez porque gritava aos olhos de seus vizinhos e amigos as muitas tatuagens que fez pelo corpo. Dito e feito: Tatuagem passou a ser seu apelido na ocupação popular do prédio que um dia foi sede da Polícia Federal em São Paulo e, na madrugada desta terça-feira (1º), acabou engolido pelo fogo.
Tatuagem aparentava ter 30 anos. Uns dizem que ele amava andar de patins. Outros já disseram tê-lo visto fazendo manobras de skate. Ganhava a vida na função de carregador -de qualquer coisa.
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O moço era considerado dócil e muito gentil. A gentileza foi, segundo os sobreviventes, levada muito a sério em seus últimos momentos de vida.
Assim que viu o pedaço de chão que dividia com outros centenas de sem-teto ser consumido pelo fogo, não teve dúvida: assumiu a posição de guardião. Orientou idosos a descer as escadas e subiu os andares que pode para salvar mais gente.
Jéssica Matos, 20, lembra que cruzou com ele na escada do segundo andar. "Já tinha dado a primeira explosão e ele gritava: vou subir para mandar o povo descer."
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Wanderley Ribeiro Silva, 27, diz que Tatuagem batia nas portas, gritava entre os cômodos para saber se alguém precisava de ajuda. Chegou assim até o oitavo andar.
Lá, se viu encurralado pelo fogo e pela fumaça. Sem ter para onde ir, se guiou pelo celular. Usou a luz do aparelho para avisar os bombeiros, já pendurados no terraço do prédio ao lado, que corria perigo.
O tenente do Corpo de Bombeiros, Guilherme Derrite, disse que seus colegas jogaram uma corda para Tatuagem. Era uma corda especial usada em rapel. "Ele deveria amarrá-la junto ao corpo e se jogar."
Tatuagem até tentou, mas não conseguiu se aventurar para salvar a própria vida. Acabou engolido pela queda do prédio em chamas.
Horas após o acidente, ainda era tratado pelo Corpo de Bombeiros como o único desaparecido da tragédia. "E você acredita que só ele se foi?", diz Noemia, mãe de Jéssica que, orientada por Tatuagem a descer as escadas com mais velocidade, se salvou.
O ACIDENTE
Tatuagem é a única vítima oficialmente contabilizada como desaparecida pelos bombeiros, embora moradores ainda relatem que uma mãe com dois filhos também esteja desaparecida.
Após o desabamento, uma grande nuvem de fumaça e fogo tomou conta do quarteirão. Nas redes sociais, é possível ver o momento da queda do prédio.
Durante a manhã desta terça, bombeiros encontraram a corda que havia sido lançada à vítima. É nesse local que os bombeiros focam as buscas pela vítima.
Moradores do prédio que desabou afirmam que o incêndio começou por volta da 1h30 após uma explosão no quinto andar. Eles desconfiam que se trate de um botijão de gás. Após a explosão, houve fogo e fumaça pelo prédio.
Durante a madrugada, o incêndio atingiu outros prédios no entorno da antiga sede da PF. Entre eles, a Igreja Martin Luther teve sua estrutura danificada. O templo é a primeira paróquia evangélica luterana da capital, inaugurada em 1908.
O prédio que desabou era ocupado pelo movimento LMD (Luta por Moradia Digna). Segundo a prefeitura, cerca de 150 famílias com 400 pessoas que moravam no local haviam sido cadastradas anteriormente pela Secretaria de Habitação. Destas, 25% eram de estrangeiros.
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Depois do incêndio, 92 famílias, com 248 pessoas, foram encaminhadas a abrigos pela prefeitura.
A Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros dizem que somente a perícia poderá confirmar as causas do incêndio. Bombeiros buscam por desaparecidos, moradores dizem que havia pessoas no topo do prédio no começo do incêndio.
Foram enviados 160 agentes e 57 carros do Corpo de Bombeiros para a ocorrência, além de unidades da Polícia Militar, Samu, CET e Defesa Civil. Com informações da Folhapress.