Obra de hospital é paralisada e lança dúvida sobre nova cracolândia
Construção Byington na região central de São Paulo está parada após 160 famílias serem deslocadas
© Rovena Rosa/ Agência Brasil
Brasil São Paulo
THIAGO AMÂNCIO - A construção do novo hospital Pérola Byington na região central de São Paulo está mais uma vez parada, isso dois meses depois de remover mais de 160 famílias do entorno da cracolândia para uma obra que já tem pelo menos quatro anos de atraso.
Desde a última semana, no canteiro de demolição dos imóveis da quadra não há nem homens trabalhando nem maquinário, segundo relataram moradores da região e operários da construção.
A paralisação também foi constatada pela reportagem na manhã desta segunda (4).
Funcionários relataram ter recebido o aviso de que a obra não voltará antes de agosto. O governo diz, no entanto, que a paralisação é momentânea e que, assim que for resolvida a situação dos últimos moradores que ainda estão na quadra, o canteiro de obras voltará a operar "imediatamente".
A obra é considerada polêmica porque moradores, Defensoria Pública e Promotoria acusam o governo do estado de não ter cumprido o rito necessário para a remoção de famílias e demolição dos imóveis, o que a gestão Márcio França (PSB) nega.
A cracolândia, onde centenas de dependentes químicos compram e usam droga a céu aberto, está no foco do poder público e passa por intensas transformações, com construção de habitações populares, reforma de praças e a construção deste hospital, entre outras mudanças.
A obra do hospital tem formato de PPP (parceria público-privada) e é tocada pela Inova Saúde, da Construcap, empreiteira arrolada na Lava Jato, que teve no último mês o executivo Roberto Capobianco condenado pelo juiz Sergio Moro a 12 anos de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa. Ninguém da construtora quis falar com a reportagem.
Além da paralisação, equipes do TCE (Tribunal de Contas do Estado) encontraram "possíveis irregularidades" na obra da unidade do Perola Byington, mas o processo ainda não foi julgado pelo tribunal.
O quarteirão onde o hospital será construído é uma Zeis (Zona Especial de Interesse Social), classificação do plano diretor da cidade para áreas onde há favelas e comunidades pobres, por exemplo.
Nessas zonas, qualquer mudança deve ser aprovada por um conselho gestor, formado por moradores e governo. Defensoria Pública e Promotoria afirmam que o conselho foi formado às pressas e que as remoções aconteceram antes de qualquer deliberação, o que o estado também nega.
Em julho de 2014, quando o governo anunciou o vencedor da licitação, disse que o contrato seria assinado em 60 dias e que as obras seriam concluídas até 36 meses depois disso –ou seja, até setembro de 2017.
Não foi o que ocorreu. Como houve atraso na remoção de moradores, o novo prazo para que a construção seja concluída é de até 36 meses depois do término das demolições –ou seja, pelo menos até 2021.
Quando o Governo de São Paulo anunciou a construção do hospital, os imóveis da quadra foram declarados de utilidade pública, e os proprietários receberam indenizações pelas desapropriações.
Quem vivia de aluguel (164 famílias, segundo o governo) foi cadastrado para receber auxílio-aluguel de R$ 400 por mês, com a garantia de que o benefício só se encerrará quando as famílias receberem uma moradia definitiva do estado.
Resta ainda um imóvel habitado. É uma pensão, tocada por Renata Moura Soares, 35, que abriga mais 30 pessoas, alguns deles moradores de outros imóveis demolidos que não tinham para onde ir.
O despejo dessas pessoas está marcada para esta terça-feira (5). Renata, que virou conselheira da quadra, diz que não sabe para onde ir e reclama das incertezas quanto ao andamento das obras.
"Moro na região há 35 anos, desde que nasci, desde que era a antiga rodoviária. Correram para tirar todo mundo daqui e agora a obra para. A gente se sente um lixo, é uma desumanidade, uma falta de respeito", conta ela, que mora na pensão com sete de seus nove filhos.
A maior parte da quadra já foi demolida –alguns imóveis ficarão de pé: um casarão tombado na avenida Rio Branco, onde havia uma invasão irregular, e dois prédios na rua Helvétia.
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De acordo com Ricardo Tardelli, coordenador de implantação da PPP, que responde pelo governo do estado, "tão logo" ocorrer a desocupação do último imóvel, "a gente procede a demolição imediatamente". "É uma situação que tem que ser ágil. É interesse da secretaria, assim como da construtora", afirma.
Tardelli nega que as implicações do executivo na Lava Jato tenham relação com a paralisação. "Para nós continua tudo normal", diz. "A parte da concessionária, que é a construtora, tem sido correta, não tem nenhum problema."
"Estamos otimistas. A condição que as pessoas vão ficar ao final desse empreendimento como um todo vai ser muito melhor do que elas estavam antes", diz ele, sobre as moradias que quem vive na área deve receber, no futuro. "Ao final das contas vai ser uma solução em que ganham os antigos moradores e ganha a cidade com um hospital novo."
Procurada, a Construcap preferiu não se manifestar.
Outros dois hospitais também faziam parte da PPP, um em Sorocaba e outro em São José dos Campos, no interior do estado, e já foram entregues. A Inova Saúde vai gerir o hospital por 17 anos após a entrega da unidade, que, em São Paulo, será exclusiva para o atendimento de mulheres.
A região tem passado por uma série de transformações.
Ao lado da quadra do hospital está o complexo Júlio Prestes, outra PPP, que vai entregar 1.202 moradias populares nos próximos anos –914 neste ano. Mercado, creche e uma nova sede da Escola de Música de São Paulo também estão no projeto.
Em frente a esses prédios está a praça Júlio Prestes, que já foi reformada.
Outras mudanças ainda estão em discussão. A prefeitura pretende construir um CEU (Centro Educacional Unificado), uma creche e mais moradias populares em duas quadras adjacentes ao largo Coração de Jesus, ao lado do prometido novo hospital.
O projeto foi anunciado pelo então prefeito João Doria (PSDB) em maio do ano passado, após operação policial, quando declarou que aquela cracolândia havia acabado. Mas ainda demora para se concretizar: também precisa de aprovação do conselho gestor dessas quadras.
Do outro lado da avenida Rio Branco está o terminal de ônibus Princesa Isabel, que a gestão Bruno Covas (PSDB) quer conceder à iniciativa privada. O vencedor da concorrência poderá explorar a região economicamente e construir sobre a estação um shopping, prédio de escritórios ou até residências.
Em frente ao terminal, está a praça Princesa Isabel, que chegou a receber o fluxo da cracolândia no ano passado, quando houve a megaoperação policial. Hoje reformada, a praça voltou a receber famílias e ganhou cercado para cachorros, parquinho, mesas, banheiros, aparelhos de ginástica e uma quadra.
Com informações da Folhapress.