Imigrantes no Brasil buscam alternativas para participação política
Mesmo sem direito a voto, estrangeiros atuam em conselhos e coletivos e de forma independente
© Agência Brasil / José Cruz
Brasil Interesse
Sem poder participar das eleições no Brasil, imigrantes que vivem em São Paulo e se interessam por política tem buscado outros meios de contribuir com o local onde vivem.
Formada em relações internacionais, a argentina Erika Romay Flores, 30, encontrou no coletivo Virada Política uma forma de ampliação do engajamento cívico.
"Apesar de ser estrangeira, não posso me eximir da responsabilidade de contribuir com o lugar que escolhi como meu lar", diz.
Pela Constituição, apenas brasileiros natos ou naturalizados têm direito a voto. De acordo com o Ministério da Justiça, 17.885 naturalizações foram aprovadas entre o começo de 2006 e outubro deste ano.
O cenário polarizado da eleição presidencial deste ano levou Erika a pensar na naturalização como forma de se fazer representada. "É muito ruim ficar de braços cruzados sem poder fazer nada."
Mas a boliviana Diana Soliz, 58, descarta essa alternativa. "Moro há 23 anos no Brasil e me sinto brasileira. Se posso participar do sindicato, por que não posso votar?"
+ De Temer a Oprah, políticos e famosos frequentaram casa de João de Deus
Diana encontrou uma outra forma de atuação política, como integrante do Sindicato das Empregadas e Trabalhadores Domésticos de São Paulo. Ela se aproximou da entidade quando buscou ajuda contra uma patroa que se recusava a reconhecer seus direitos trabalhistas. Pelo seu engajamento, foi convidada a fazer parte do sindicato e hoje integra a diretoria da instituição.
Essa possibilidade se deu por uma abertura prevista na Lei de Migração, que entrou em vigor há um ano. A legislação passou a permitir que imigrantes se associem a organizações como partidos políticos e sindicatos, apesar da ausência de direito a voto nas eleições.
A argentina Eugenia Sleet, 27, recém-formada em direito, vê essa restrição usada como argumento para discriminar o imigrante. "Isso é usado contra você, para que você não possa se expressar porque não tem direito a votar. O voto deveria ser o mais aberto possível", afirma ela, que tem interesse em poder atuar em favor dessa participação.
Há uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) tramitando no Senado que prevê a concessão do direito a voto para imigrantes com residência permanente no país, restrito às eleições municipais -a estimativa é de que ela poderia beneficiar 3 milhões de pessoas. O projeto está pronto para ir a plenário desde o final de 2017, mas não há previsão de votação.
PARTICIPAÇÃO EM CONSELHOS
Em São Paulo, há pelo menos duas instâncias ligadas à gestão municipal que permitem participação dos imigrantes nos debates sobre políticas públicas e cidadania.
Uma delas é nos Conselhos Participativos Municipais, que são organismos de fiscalização das subprefeituras compostos por cidadãos voluntários e eleitos. Desde 2014, os imigrantes têm direito a pelo menos um representante nesses colegiados, eleitos a partir de um processo extraordinário que segue diretrizes definidas pelo TRE (Tribunal Regional Eleitoral) de São Paulo.
"Acredito que é importante para nós, como cidadãos, independente de sermos migrantes ou não, termos uma participação na sociedade. E vi que o Conselho Participativo era uma forma de marcar presença, representando imigrantes que, nesse momento, não são vistos aos olhos dos políticos", disse o tradutor peruano Víctor Gonzales, 41, que exerceu a atividade entre 2014 e 2016, na Subprefeitura de Santo Amaro.Outras duas eleições foram realizadas, em 2015 e 2017. A próxima deve ocorrer em 2019, ainda sem data prevista.
A outra instância é o Conselho Municipal de Imigrantes, criado em outubro de 2017 com objetivo de fiscalizar a implementação da Política Municipal para a População Imigrante -que entrou em vigor no ano anterior. Ele é composto por representantes de oito secretarias municipais, por integrantes de ONGs ligadas a comunidades e ao atendimento de imigrantes, além de imigrantes eleitos de forma independente -também voluntários.
Essa estrutura permitiu um fato inédito na vida de Nour Massoud, 34. Nascida na Síria, era impedida de se manifestar politicamente no país natal por ser de origem palestina. Em julho deste ano, se candidatou e foi eleita para o conselho por voto direto de outros imigrantes. Ela é a atual presidente do colegiado.
"Ter essa experiência no Brasil me ensinou mais do que apenas políticas públicas e trabalho da sociedade civil, me ensinou que ser um refugiado ou imigrante não elimina que nós somos humanos e temos o direito de imigrar, falar e participar", afirma ela, que vive no Brasil desde 2015.
Sancionada ainda sob a gestão de Fernando Haddad (PT), a Política Municipal para a População Imigrante foi mantida pelas gestões tucanas seguintes -de João Doria e Bruno Covas (PSDB). Essa política foi resultado de anos de mobilização da sociedade civil e de imigrantes residentes na cidade.
Nos dois casos, para votar e ser votado, o imigrante precisa comprovar residência em São Paulo, ter 16 anos ou mais e apresentar um documento oficial -seja do Brasil ou do país de origem.
"Imigrante é um sujeito de direitos, com voz ativa. E ocupar esses espaços de representação é a tradução do que significam estas afirmações e toda essa luta que vem sendo construída em São Paulo", explica Jennifer Anyuli, 26, coordenadora de políticas para imigrantes da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania. Colombiana, ela se tornou em novembro a primeira imigrante a assumir o cargo desde que foi criado, em maio de 2013.
Dados da Polícia Federal indicam que pelo menos 385 mil imigrantes residem na capital paulista, de 198 nacionalidades. Além de valorizar essa diversidade, Jennifer também a vê como desafio para expandir o trabalho e as ações da coordenação. Uma das estratégias, segundo ela, será a organização da segunda Conferência Municipal de Políticas para Imigrantes, prevista para o segundo semestre de 2019.
A primeira ocorreu no final de 2013 e serviu como base para a política sancion
Sem poder participar das eleições no Brasil, imigrantes que vivem em São Paulo e se interessam por política tem buscado outros meios de contribuir com o local onde vivem.
Formada em relações internacionais, a argentina Erika Romay Flores, 30, encontrou no coletivo Virada Política uma forma de ampliação do engajamento cívico.
"Apesar de ser estrangeira, não posso me eximir da responsabilidade de contribuir com o lugar que escolhi como meu lar", diz.
Pela Constituição, apenas brasileiros natos ou naturalizados têm direito a voto. De acordo com o Ministério da Justiça, 17.885 naturalizações foram aprovadas entre o começo de 2006 e outubro deste ano.
O cenário polarizado da eleição presidencial deste ano levou Erika a pensar na naturalização como forma de se fazer representada. "É muito ruim ficar de braços cruzados sem poder fazer nada."
Mas a boliviana Diana Soliz, 58, descarta essa alternativa. "Moro há 23 anos no Brasil e me sinto brasileira. Se posso participar do sindicato, por que não posso votar?"
Diana encontrou uma outra forma de atuação política, como integrante do Sindicato das Empregadas e Trabalhadores Domésticos de São Paulo. Ela se aproximou da entidade quando buscou ajuda contra uma patroa que se recusava a reconhecer seus direitos trabalhistas. Pelo seu engajamento, foi convidada a fazer parte do sindicato e hoje integra a diretoria da instituição.
Essa possibilidade se deu por uma abertura prevista na Lei de Migração, que entrou em vigor há um ano. A legislação passou a permitir que imigrantes se associem a organizações como partidos políticos e sindicatos, apesar da ausência de direito a voto nas eleições.
A argentina Eugenia Sleet, 27, recém-formada em direito, vê essa restrição usada como argumento para discriminar o imigrante. "Isso é usado contra você, para que você não possa se expressar porque não tem direito a votar. O voto deveria ser o mais aberto possível", afirma ela, que tem interesse em poder atuar em favor dessa participação.
Há uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) tramitando no Senado que prevê a concessão do direito a voto para imigrantes com residência permanente no país, restrito às eleições municipais -a estimativa é de que ela poderia beneficiar 3 milhões de pessoas. O projeto está pronto para ir a plenário desde o final de 2017, mas não há previsão de votação.
PARTICIPAÇÃO EM CONSELHOS
Em São Paulo, há pelo menos duas instâncias ligadas à gestão municipal que permitem participação dos imigrantes nos debates sobre políticas públicas e cidadania.
Uma delas é nos Conselhos Participativos Municipais, que são organismos de fiscalização das subprefeituras compostos por cidadãos voluntários e eleitos. Desde 2014, os imigrantes têm direito a pelo menos um representante nesses colegiados, eleitos a partir de um processo extraordinário que segue diretrizes definidas pelo TRE (Tribunal Regional Eleitoral) de São Paulo.
"Acredito que é importante para nós, como cidadãos, independente de sermos migrantes ou não, termos uma participação na sociedade. E vi que o Conselho Participativo era uma forma de marcar presença, representando imigrantes que, nesse momento, não são vistos aos olhos dos políticos", disse o tradutor peruano Víctor Gonzales, 41, que exerceu a atividade entre 2014 e 2016, na Subprefeitura de Santo Amaro.
Outras duas eleições foram realizadas, em 2015 e 2017. A próxima deve ocorrer em 2019, ainda sem data prevista.
A outra instância é o Conselho Municipal de Imigrantes, criado em outubro de 2017 com objetivo de fiscalizar a implementação da Política Municipal para a População Imigrante -que entrou em vigor no ano anterior. Ele é composto por representantes de oito secretarias municipais, por integrantes de ONGs ligadas a comunidades e ao atendimento de imigrantes, além de imigrantes eleitos de forma independente -também voluntários.
Essa estrutura permitiu um fato inédito na vida de Nour Massoud, 34. Nascida na Síria, era impedida de se manifestar politicamente no país natal por ser de origem palestina. Em julho deste ano, se candidatou e foi eleita para o conselho por voto direto de outros imigrantes. Ela é a atual presidente do colegiado.
"Ter essa experiência no Brasil me ensinou mais do que apenas políticas públicas e trabalho da sociedade civil, me ensinou que ser um refugiado ou imigrante não elimina que nós somos humanos e temos o direito de imigrar, falar e participar", afirma ela, que vive no Brasil desde 2015.
Sancionada ainda sob a gestão de Fernando Haddad (PT), a Política Municipal para a População Imigrante foi mantida pelas gestões tucanas seguintes -de João Doria e Bruno Covas (PSDB). Essa política foi resultado de anos de mobilização da sociedade civil e de imigrantes residentes na cidade.
Nos dois casos, para votar e ser votado, o imigrante precisa comprovar residência em São Paulo, ter 16 anos ou mais e apresentar um documento oficial -seja do Brasil ou do país de origem.
"Imigrante é um sujeito de direitos, com voz ativa. E ocupar esses espaços de representação é a tradução do que significam estas afirmações e toda essa luta que vem sendo construída em São Paulo", explica Jennifer Anyuli, 26, coordenadora de políticas para imigrantes da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania. Colombiana, ela se tornou em novembro a primeira imigrante a assumir o cargo desde que foi criado, em maio de 2013.
Dados da Polícia Federal indicam que pelo menos 385 mil imigrantes residem na capital paulista, de 198 nacionalidades. Além de valorizar essa diversidade, Jennifer também a vê como desafio para expandir o trabalho e as ações da coordenação. Uma das estratégias, segundo ela, será a organização da segunda Conferência Municipal de Políticas para Imigrantes, prevista para o segundo semestre de 2019.
A primeira ocorreu no final de 2013 e serviu como base para a política sancionada três anos depois. Com informações da Folhapress.