No Recife, bolsonarismo mostra força em bairro símbolo da era Lula
Mesmo com todo o simbolismo de ter sido transformada na era petista, Brasília Teimosa vive uma onda de bolsonarismo
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Brasil Pernambuco
FÁBIO ZANINI- RECIFE, PE (FOLHAPRESS) - Há 46 anos ocupando um sobrado com vista para a praia do bairro de Brasília Teimosa, no Recife (PE), o restaurante Império dos Camarões recebeu duas vezes a visita do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em ambas, o petista ficou na cozinha de papo com o proprietário, José Bezerra dos Santos, 69, enquanto camarões suculentos eram preparados para ele e sua comitiva.
Na época, início do seu governo (2003-10), Lula ganhou o voto de Santos, conhecido como Zezinho do Camarão, um self-made man que começou vendendo caldinho numa barraca na areia.
Mas hoje, Zezinho é apoiador entusiasmado de Jair Bolsonaro e diz que PT nunca mais. "Esse país virou zona. Quem manda hoje é o malandro. Espero que o Bolsonaro seja o cara para consertar", diz.
Localizada na ponta norte da praia de Boa Viagem, Brasília Teimosa era uma insalubre comunidade de palafitas quanto Lula assumiu a Presidência, em 2003. O petista incluiu a favela em sua primeira viagem após a posse, levando ministros a tiracolo.
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Prometeu urbanizar o local e cumpriu: quase todas as palafitas foram retiradas, e os moradores ganharam casas. Uma agradável orla surgiu no local.
A obra impulsionou o restaurante de seu Zezinho, como ele mesmo admite. Hoje, o local atende a uma clientela que inclui executivos de bairros distantes que vêm provar seus pratos.
Mesmo com todo o simbolismo de ter sido transformada na era petista, Brasília Teimosa vive uma onda de bolsonarismo. Numa localidade em que o PT sempre nadou de braçada, o resultado do primeiro turno da eleição no ano passado foi surpreendente: Bolsonaro ficou em primeiro lugar, com 3.346 votos, contra 3.180 de Fernando Haddad (PT). No segundo, Haddad recebeu os votos de outros candidatos e teve 57% contra 43% do atual presidente.
Brasília Teimosa é uma comunidade densamente povoada com cerca de 35 mil moradores, em ruas estreitas, mas todas asfaltadas, com calçada, casas e comércio. Menos de 10% da população ainda vive em palafitas.
O nome é um certo samba do crioulo doido. No início era apenas Brasília, uma homenagem à nova capital que surgia mais ou menos na mesma época da formação do local, nos anos 1950. Depois acoplou-se o adjetivo "teimosa", porque a comunidade de pescadores que ali se instalou não se intimidava com as remoções de barracos do governo e sempre voltava.
Radialista aposentado, Wilson Lapa, 59, é o principal líder político do pedaço. Há 13 anos preside o conselho de moradores do bairro, e está no quinto mandato seguido. "Eleição aqui é uma guerra. Haddad contra Bolsonaro é fichinha", diz, sentado em sua sala num sobrado que é a sede da associação.
É outro ex-lulista que se bolsonarizou, como muitas das pessoas com quem a reportagem conversou numa tarde no bairro no último dia 11. Filiado ao Patriota, legenda de direita com a qual Bolsonaro chegou a flertar, Lapa pensa em se candidatar a vereador no ano que vem.
"Torço por ele [Bolsonaro]. Está tentando moralizar as verbas que são enviadas sem critério para a cultura e para essas ONGs ligadas a petistas", afirma. Com um filho que é instrutor de tiro, também defende o maior acesso a armas proposto pelo presidente.
Por enquanto, Lapa acha que as acusações contra o presidente e seu partido são apenas jogo da oposição. Faz um único reparo a Bolsonaro. "Ele não devia ter compartilhado aquele vídeo [mostrando ato pornográfico no Carnaval de São Paulo]. Pelo menos sabemos que não mudou, ainda é o mesmo Bolsonaro de sempre".
No dia em que conversou com a reportagem, Lapa planejava organizar uma caravana para ir a Brasília denunciar as ameaças que a xará recifense sofre. A especulação e o apetite do mercado imobiliário pelo terreno onde está a comunidade, que fica pouco distante da Recife turística, já levaram a um salto no preço dos aluguéis de casas simples, diz ele.
"Precisamos de proteção, quero falar isso ao Bolsonaro. Ou a um ministro. No mínimo, estendo uma faixa na praça dos Três Poderes", diz. Por enquanto, o bairro é uma zona de proteção social e está a salvo da construção de novos edifícios, mas os moradores dizem que é preciso manter mobilização constante para que a legislação não mude.
Lapa é evangélico da denominação batista, e o número de igrejas no bairro pode ajudar a explicar o crescimento da direita em Brasília Teimosa. São mais de 30.
Edmilson Macena, 46, cursa o seminário para se tornar pastor. Diz que tem carinho e afeto por Lula, mas votou em Bolsonaro por uma "questão moral e cívica". Também afirma que se desiludiu com os petistas pela sucessão de escândalos. "Sempre votei no Lula. Mas onde há fumaça há fogo", diz.
Uma razão prática o levou à desilusão com o PT. No governo Lula, tinha um tio, duas irmãs e um filho empregados nas obras do porto de Suape, região metropolitana de Recife. Terminado o contrato, foram todos para a rua e tiveram dificuldade em se recolocar profissionalmente.
Sobre as acusações contra o presidente, ele prefere esperar. "A gente não tem muito conhecimento dos fatos. Mas ele está dizendo que tem que investigar, o que já é uma mudança", diz.
Macena é dono de um mercadinho que fica protegido da rua por grossas grades pretas.
O bairro não é especialmente perigoso, mas há muito consumo de crack, o que traz o risco permanente de violência. A fala grossa de Bolsonaro ao tratar do tema da segurança o agrada.
De frente para a orla, a ONG "Brasília Teimosa Driblando o Crack" tentar afastar crianças e adolescentes do vício com aulas de futebol e atividades recreativas. Seu fundador, o professor de educação física Luiz Fernanda Silva Neto, diz que teve 27 alunos entre 14 e 19 anos assassinados por causa da droga em 26 anos de trabalho social na região.
A nova desgraça do bairro, diz ele, é uma droga batizada de "pó virado", que mistura crack moído com ácido bórico e é inalada. "Deixa o cara extasiado", afirma. Na comunidade, estima o professor, apenas de 5% a 10% dos jovens vêm de famílias estruturadas. A maioria cresce sem pai.
Ele já votou em Lula e andava de broche e camisa vermelha em eleições. "De repente, o homem que era uma referência internacional manchou seu nome", avalia. Foi então de Bolsonaro, "para ter uma mudança radical".
Mas não está gostando muito desse início de governo. Acha que é preciso explicar melhor as acusações que surgiram e não aprecia a intromissão dos filhos nos assuntos de governo.
"Quando Bolsonaro entrou eu dava a ele nota 10. Agora, pra mim caiu pra 7", diz o professor.