Conheça Momo, que conquista os portugueses com melodias brasileiras
Com canções que ficam preenchidas apenas pela sua voz, o músico não desiste de "buscar" o encaixe perfeito entre a letra e a melodia
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Cultura Artista
Deuses, a mística e o amor parecem ser algumas das palavras essenciais para caracterizar a música do carioca Momo. Brasileiro, mas que vive há dois anos em Portugal, ele se prepara para lançar seu novo álbum, 'Voa. Ele conversou com exclusividade com o Notícias ao Minuto e confidenciou que todos os dias tenta encontrar "o lugar da convergência".
De onde vem este nome Momo? O que significa?
Estreei este nome em 2006, quando lancei o primeiro disco, ‘Estética do Rabisco’. Na época, achei muito diferente das coisas que tinha feito anteriormente com o meu nome, Marcelo Frota. Achei que aquele álbum não estava sendo feito pela mesma pessoa, parecia muito diferente, com outra atmosfera e achei que tinha de criar um nome que correspondesse, que tivesse sintonizado com aquela atmosfera. E aí comecei a procurar nomes e queria um que fosse fácil de falar em qualquer lugar do mundo (...) Momo é uma figura carnavalesca, o rei Momo. Achei isso engraçado, porque era um disco muito soturno, obscuro e fazia um bom contrabalanço com o álbum.
Você se identifica muito com este lado mais divertido, mais obscuro, ou melhor… enigmático?
Pois é… essa coisa do enigma... tem a ver com talvez este lado mais… não mais soturno, mas mais introspectivo da minha carreira. Eu tenho algumas coisas que são bem intimistas, o meu trabalho é muito autobiográfico. Faço muito auto-referência.
São todas coisas pelas quais você já passou?
Sim, uso muito as minhas experiências pessoais e às vezes tento não ser muito direto, encontro caminhos. Claro que tenho algumas músicas que são quase crônicas, são coisas que eu vi as pessoas passarem, observei e em que me inspirei. Mas esse meu lado mais introspectivo, um lado mais… não é soturno, porque eu no meu dia a dia sou uma pessoa divertida, gosto muito de rir. Mas no fazer artístico, é um lugar onde eu me identifico.
Não tem medo de mostrar esse lado mais intimista? Da reação do público?
Acho que já fiz discos mais confessionais. O meu primeiro disco é bastante confessional, ‘Buscador’ também é, mas acho que são todos muito. O penúltimo disco é só com voz e violão e por isso eu estava muito exposto, não tinha outro instrumento. Não é à toa que o nome é ‘Cadafalso’, porque é um lugar onde as pessoas são executadas, são enforcadas… Este novo disco é menos confessional porque tem parcerias com outros artistas, como o Thiago Camelo, que fez cinco músicas comigo e ele é poeta. Acho que esse lado confessional é diluído neste último disco.
Quando você começou a crescer como músico, qual era a voz que o guiava?
Ontem estava ensaiando e sempre que canto penso no Milton Nascimento, que é a maior voz e referência na música brasileira. Na forma de cantar, de fazer as melodias… É engraçado porque sempre que estou tocando e cantando, volta e meia penso nele. Não que eu o copie, mas há alguma coisa na voz dele que faz transcender. Ele sintetiza muito o que é a música brasileira.
Quando você sentiu que era o momento certo para se dedicar de corpo e alma à música? Houve momentos de dúvida?
Claro, dúvidas tenho até hoje. Eu sou um existencialista, estou sempre pensando. Mas pensando em muitas coisas, não só na música, mas em tudo. Acho que não foi uma escolha fácil, mas valeu muito a pena. A música para mim é quase como um modo de vida, é uma filosofia. Está entranhada no meu dia a dia, tenho assim uma relação de quase devoção pela deusa música. Mas eu acho que o momento da mudança foi no meu primeiro disco, porque quando ele saiu eu consegui ter críticas políticas e isso me incentivou. Foi o disco que mais conseguiu cruzar vários mundos.
Qual o momento que você sente como sendo o mais alto da sua carreira? Ou ainda está por vir?
Acho que ele já aconteceu, acontece todos os dias. Esse momento é hoje. Passamos por tanta coisas boas e difíceis, o ponto é isso. Estar aqui hoje, falando com você. E falando do meu trabalho. É um dia de cada vez no meu dia a dia. Acho que o ponto alto é estar aqui hoje.
Em algumas entrevistas que li suas, você cria muito uma ideia de um mundo à parte, o dos deuses. De embelezar, de criaturas superiores. Por que esse lado? Onde surge essa necessidade?
Eu sou uma pessoa mística. Fui criado numa escola católica. Desde criança que estudei numa escola católica. Não sou religioso, mas sou uma pessoa que está sempre em busca do espiritual. Acho que dizer que sou espiritualizado é um tanto quanto arrogante. As coisas para mim andam juntas. Realmente acredito em várias coisas, em vários deuses.,em várias entidades. E, por isso, estou sempre tentando entender o movimento da vida. Ir atrás do que faz sentido. São sinais. Estou sempre atrás deles. A música para mim não deixa de ser um exercício de isso tudo. Acho que é o lugar onde eu consigo sossegar e encontrar um lugar dentro de mim, onde parece que o mundo se silencia e eu consigo acalmar. Costumo falar do barulho do mundo. É essa coisa que a gente vive, de entrar num padrão quase automático no dia a dia e acabamos por nos esquecer de nós mesmos e do que é essencial para mim. E o que é essencial é essa paz.
Há muitas pessoas que ouvem as suas músicas e afirmam que cada uma delas é composta por palavras que parece que você escolheu a dedo para elas. Sente isso também? Que está sempre em busca da palavra certa?
O meu processo criativo é muito intuitivo. Há músicas e letras que saem em 15 ou 20 minutos, em que faço uma espécie de download e aquela música chega toda, porque para mim a música está no universo. A minha ligação com a música é isso. É tentar me conectar com essa inspiração. É claro que isso parece místico, mas também sei o que é ficar três ou quatro horas fazendo uma música. Escolhendo as palavras, mudando, tentando aperfeiçoar. Mas o meu processo é muito intuitivo. Vou muito pela música, pelo som, pela métrica da melodia, respeitando as sílabas tônicas. Acho que a melodia quando chega, chega com uma letra associada e cabe a mim tentar decifrar qual é essa letra. Quando a letra exerce uma certa hierarquia dentro de uma música, acho estranho.
É engraçado dizer isso porque normalmente as pessoas prestam mais atenção à letra do que no restante.
Eu presto atenção à letra, mas acho que o bom resultado é quando… É meio antagônico: a letra não passa despercebida, porque para mim ela passa mais ‘percebida’ dentro de uma melodia que eu acho que é a palavra certa. O difícil da composição é encontrar a palavra certa que encaixa naquela melodia. Quando essa química, essa simbiose, não acontece, parece que a letra está em guerra com a melodia.
Conte um pouco mais deste último álbum.
Foi a primeira vez que tive um produtor trabalhando no disco efetivamente desde o início. Na seleção do repertório, que eu acho que foi muito bem escolhido. O Marcelo Camelo ia pedindo para eu fazer as músicas, eu ia fazendo, já estava aqui em Lisboa. Jamais faria este disco desta maneira. Ele trouxe a musicalidade dele. Isso está impresso no disco. Principalmente a parte rítmica. Eu dizia para ele, brincando, que era uma orquestra rítmica (…) É um disco mais para fora, menos para dentro, menos auto-confessional. E também tem esta luz de Lisboa e tem Alfama, que foi o bairro onde morei nos últimos anos. É um disco que tem luz. É um disco feliz.
Você pensa que, no Brasil, a cultura é deixada de lado?
O Brasil é um país muito grande, é um território gigantesco. Nos últimos anos as políticas de incentivo cultural foram muito grandes. Temos a Lei Rouanet, a lei de incentivo à cultura. Posso dizer que, nos últimos anos, as coisas que não são mainstream, artistas como eu encontraram saídas e soluções para conseguir driblar e sair ‘deste lugar’. Mas o Brasil tem dimensões enormes.
E os planos? Sei que está sempre em busca de algo.
Os planos [risos] Continuar trabalhando… Apesar desta coisa da mística, acredito muito no trabalho também. Acho que cada disco impõe um novo desafio, mas cada dia também impõe. Vejo tanta coisa estranha acontecendo, mas estou sempre tentando encontrar o lugar de convergência. Tentando encontrar o que tenho em comum com o outro, para poder não entrar nesses embates, porque acho que o amor tinha que abraçar o mundo. O amor é o contraponto para tudo isto.