'Fanáticos sempre esperam respostas simples', afirma escritor Amós Oz
Para o autor, a melhor saída para a pacificação é a criação de dois Estados
© REUTERS/Ronen Zvulun
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"O conflito entre Israel e Palestina não é um filme de Hollywood, com bandidos e mocinhos. É uma tragédia grega".
A afirmação do escritor israelense Amós Oz se deu na conferência da edição paulistana da série "Fronteiras do Pensamento", na segunda (26), à noite.
De acordo com o autor de 78 anos, Israel e Palestina podem estar certos simultaneamente. Ou ambos podem incorrer em erros ao mesmo tempo.
A passagem de Oz pelo Brasil acontece por conta do lançamento do livro "Mais de uma Luz - Fanatismo, Fé e Convivência no Século 21" (ed. Companhia das Letras). A obra reúne três ensaios, nos quais o extremismo aparece como tema central.
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Para o teatro Santander praticamente lotado, que ouviu Oz por cerca de uma hora e meia, o escritor lançou duas hipóteses para a ascensão do fanatismo. "Quanto mais complexos os problemas, mais gente quer respostas simples. Os fanáticos sempre esperam respostas simples", disse Oz. Essa é um aspecto a ser contemplado, segundo ele.
O outro diz respeito à memória dos massacres promovidos por União Soviética e Alemanha ao longo do século 20. "Stalin e Hitler nos deram 'um presente precioso'. Depois do radicalismo soviético e do nazismo, as pessoas passaram a relutar na aceitação dos extremos. O problema é que esse 'presente' parece ter atingido sua data de validade", falou Oz durante a conferência.
A rejeição do israelense em comparar o conflito a uma trama hollywoodiana pressupõe uma percepção da a complexidade das relações entre os povos. A avaliação não implica, contudo, que Oz avalie o impasse no Oriente Médio de modo pessimista.
"Está começando a fadiga dos dois lados [Israel e Palestina]. Acredito que o cansaço possa contribuir para um acordo entre os povos", disse Oz, que também destaca o fato de que "o conflito se tornou muito caro. Esse preço se tornou intolerável".
Para o autor, a melhor saída para a pacificação é a criação de dois Estados. "Seria como uma amputação para ambos. Vai doer muito, mas precisa acontecer. Os povos não querem sair de lá", afirmou.
Ao comentar seu ativismo, Oz citou o russo Anton Tchecov (1860 - 1904), escritor e médico. "Tenho mentalidade de um médico do interior. Quero ajudar a curar as feridas, a reduzir a dor", disse.
Autor de romances como "Meu Michel" (2002), "De Amor e Trevas" (2005) e "Judas" (2014), o escritor israelense comentou ainda características da sociedade israelense e, mais uma vez, recorreu a comparações com o cinema.
"Nós, israelense, não somos de um filme de [Ingmar] Bergman. Somos de um filme de [Federico] Fellini. Nós brigamos, questionamos, duvidamos", disse Oz em um momento descontraído da conferência. "Esse é o nosso gene anarquista".
"Certa vez, perguntei ao meu pai porque nós, israelenses, sempre respondíamos a uma pergunta com outra pergunta. Meu pai falou: 'Por que não?", contou o escritor.
BENÇÃO DA LITERATURA
O conflito israelo-palestino prevaleceu na conferência, mas houve tempo para o autor comentar as suas motivações para contar histórias. "A literatura nos permite ver familiares, amigos, vizinhos sob uma outra luz. É essa a benção da literatura", afirmou Oz.
Para ele, o processo de criação se sustenta na curiosidade. "Eu me coloco nos sapatos, nas peles dos outros por curiosidade. Qualquer inovação depende da curiosidade".
Nesse ponto, a literatura e os conflitos no Oriente Médio restabelecem contato. "A curiosidade serve como um antídoto contra o fanatismo, que é uma praga do século 21".
Oz não crê que o excesso de informação, proporcionado pela internet, ajude o escritor a buscar seus leitores. "Era mais fácil na época de Dostoiévski [1821 - 1881] porque os leitores tinham muito mais tempo do que nos dias de hoje" (Folhapress)