Filme sobre caminhoneiros mostra estrada 'existencial' e solidária
Documentário é dirigido por Guilherme Azevedo
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Cultura Crítica
Casualmente ou não, o título deste documentário - cuja narrativa é conduzida pelo caminhoneiro carioca Jorge Lisboa - é o mesmo de um poema de Alberto Caeiro, um dos heterônimos de Fernando Pessoa. Uma das características da poesia de Caeiro é a percepção direta da realidade pela sensação, no presente.
Acontece algo semelhante no filme. O motorista mostra seu cotidiano, toma depoimentos de caminhoneiros e de dezenas outras pessoas que conhece no caminho e nesse processo seu olhar revela a estrada como espaço de sociabilidade, como metáfora de outro tipo de percurso, mais existencial.
Um exemplo dos laços que Lisboa estabelece com gente desse universo são as visitas gosta de fazer a pessoas que conheceu em suas andanças. Como o casal dono de um hotel em Goiás que o acolheu quando sofreu um sério acidente ou a dona de um restaurante do qual era freguês em Tocantins, que fechou as portas por falta de movimento.
O filme acompanha o caminhoneiro durante 25 mil quilômetros, percorridos em quase dois meses -dos campos de soja do Centro-Oeste às salinas do Rio Grande do Norte, passado por Santarém e Fortaleza.
O périplo mostra o Brasil a partir de uma perspectiva única, que destaca a diversidade de culturas e paisagens.
As dificuldades da profissão são muitas: remuneração magra, longas jornadas de trabalho em estradas precárias, acidentes, assaltos, dificuldades para conseguir fretes, dívidas.
Apesar disso, para Lisboa e seus colegas a vida na estrada é descrita como "um vício, uma cachaça".
Entre a vontade de chegar e a vontade de partir, eles são unânimes ao destacar a "sensação de liberdade" que sentem atrás do volante.
Contraditória - e por isso mesmo digna de interesse - , essa liberdade é parte fundamental da paixão que têm pela profissão, geralmente herdada do pai, do tio ou de algum parente próximo. O motorista encontra caminhoneiros que viajam com a família, fazendo da estrada um estilo de vida.
Muito da força do filme se deve a Lisboa. Espontâneo e bem articulado, o caminhoneiro enriquece a narrativa com suas observações -geralmente críticas- sobre o que vê.
PARA ALÉM DA CURVA DA ESTRADA
Direção: Guilherme Azevedo
Elenco: Jorge Lisboa, Yvan Evangelista
Produção: Brasil, 2017
Avaliação: bom
Com informações da Folhapress