Ator em crise existencial inspira drama amargo 'Ninguém Está Olhando'
Novo filme da diretora argentina Julia Solomonoff mostra crise existêncial de estrela
© Divulgação
Cultura Crítica
Ao andar pelas ruas de Nova York, o argentino Nico (Guillermo Pfening) encontra uma cadeira que estava abandonada em uma calçada e decide levá-la para casa. Longe de ser exuberante, a cadeira alia conforto e resistência. Cumpre bem, portanto, a função que se espera dela.
É uma passagem aparentemente banal de "Ninguém Está Olhando", novo filme da diretora argentina Julia Solomonoff. Mas o drama concebido pela cineasta é como a cadeira do personagem, simples do ponto de vista estético e, no final das contas, mais vigorosa do que parecia à primeira vista.
+ Diários roubados de John Lennon são encontrados em Berlim
Ator de grande popularidade na Argentina, Nico troca Buenos Aires por Nova York. Ele diz a todos que está em Manhattan por conta de projetos no cinema, mas logo se descobre que deixou seu país de origem devido a um caso amoroso mal resolvido com um produtor de TV.
Nos EUA, Nico coleciona namoros e trabalhos breves. Só há consistência na relação dele com um bebê, de quem cuida para ganhar uns trocados. Enquanto o mundo rui ao seu redor, o protagonista se ampara em um afeto quase paterno.
A convivência com o bebê é um bálsamo no dia-a-dia dessa Nova York vista pela América do Sul, uma cidade que se impõe, sobretudo, pela frieza. No microcosmo de Nico, a rejeição é profissional e afetiva. Ele não avança como um ator para tipos norte-americanos devido ao sotaque e tampouco se enquadra no estereótipo latino porque é loiro. Além disso, a cena gay da metrópole, ainda que vibrante, não oferece o acolhimento que ele procura.
Há ainda o macrocosmo de argentinos, brasileiros, colombianos, paraguaios... Manhattan os incorpora, mas como uma sub-classe. Nesse aspecto, um mérito de "Ninguém Está Olhando" é deixar que o gosto amargo suba lentamente à superfície, sem a ebulição do denuncismo.
A crise existencial do personagem é bem delineada pelo roteiro, também de Solomonoff. A qualidade dos diálogos, aliás, tem sido marca fundamental do cinema argentino neste século.
Mas fatia expressiva da força dramática do filme se deve à interpretação notável de Guillermo Pfening. Sem recorrer a rompantes para reiterar a solidão, o ator põe a sensibilidade a serviço de Nico, um homem em fuga e, em última instância, em busca de si mesmo.
NINGUÉM ESTÁ OLHANDO
DIREÇÃO Julia Solomonoff
ELENCO Guillermo Pfening, Elena Roger, Rafael Ferro
PRODUÇÃO Argentina/Colômbia/Brasil/Eua/França, 2017
QUANDO estreia na quinta (23)
AVALIAÇÃO bom