Racismo com filha de Gagliasso 'não é surpreendente', diz ativista
Diretora executiva do Instituto Identidades do Brasil disse que há uma espécie de comoção seletiva nos casos que envolvem preconceito contra famosos.
© Divulgação/Alex Cassiano
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A ex-modelo e diretora executiva do IDBR (Instituto Identidades do Brasil), Luana Génot, que acompanhou Bruno Gagliasso na delegacia nesta segunda (27)-feira, disse que há uma espécie de comoção seletiva nos casos que envolvem preconceito contra famosos.
O ator compareceu à repartição para denunciar o ataque racista que uma mulher, que se apresenta nas redes sociais socialite Day McCarthy, cometeu contra sua filha, Titi. Em um vídeo publicado na internet, ela chama a criança de apenas 4 anos de "macaca com cabelo de bico de palha".
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Para Génot, que criou o IDBR para promover os direitos humanos com foco na igualdade racial, o fato de a família de Gagliasso ser famosa certamente ajuda na rapidez da resolução do caso. No entanto, afirma que não viu a mesma comoção com a atriz Taís Araújo, que recentemente foi vítima de comentários irônicos por ter dito em um evento que a cor de seu filho faz com que as pessoas mudem de calçada no Brasil.
"A pessoas ainda têm mais empatia para um caso onde uma pessoa branca se pronuncia sobre racismo contra a filha negra, enquanto sobre a Taís, que é uma pessoa famosa e que tem dinheiro, muitas vezes as pessoas comentaram que era mimimi. Acho que o tratamento desses casos é diferenciado não só em relação a classe social, mas à própria raça também", disse.
À reportagem, Génot fala também sobre as consequências psicológicas que atitudes racistas podem causar na vida de uma criança, seja ela famosa ou não e diz que o pensamento de McCarthy é algo estrutural da sociedade.
PERGUNTA - O que você pensou quando assistiu ao vídeo que Day McCarthy postou na internet ofendendo Titi?
LUANA GÉNOT - Eu resumiria em uma frase: é alarmante, é nojento, mas não é surpreendente. Na verdade, a socialite colocou na superfície aquilo que é estrutural da maioria da nossa sociedade. O racismo não é velado para quem sofre na pele. Ele é revelado.
P. - Foi Bruno quem te chamou para acompanhá-lo na delegacia?
L.G. - Bruno é embaixador da campanha "Não à Desigualdade Racial", do ID-BR. Ele me passou uma mensagem com a postagem da socialite e disse que estava muito chateado. Eu me propus a acompanhá-lo na delegacia.
P. - Titi tem 4 anos. Quando mais ou menos a criança começa a entender que sofre preconceito?
L.G. - Posso me respaldar em vivências pessoais para responder. Lembro que a primeira vez que sofri a incidência de um racismo mais verbal foi quando eu tinha uns cinco ou seis anos. Pensando assim, a Titi estaria se aproximando de um estágio de consciência disso. Lembro de verbalizações na escola, de grupos que me isolavam e não queriam ser meus amigos por causa da minha cor. Isso começa muito cedo. A gente pensa que racismo é coisa de adulto, mas ele já vem enraizado nessas práticas. O que a gente passa para os nossos filhos, fazendo piadas, ou até mesmo através da própria estrutura do audiovisual que não mostra referências de mulheres negras, acaba fazendo com que muitas vezes a criança seja rejeitada. As crianças acabam reproduzindo a estrutura da qual fazem parte.
P. - Quais são as consequências psicológicas que ela está sujeita a desenvolver?
L.G. - Enquanto consequência psicológica, essas vivências que falei na pergunta anterior me trouxeram muita falta de autoestima. Só fui me descobrir uma pessoa que poderia ser bonita e atraente com 18 anos. Aos nove anos, por exemplo, me desenhei loira de olhos azuis, porque era assim que eu queria ser. Você acaba negando sua identidade porque você não quer fazer parte daquilo que não é aceito. Ela [Titi] vai precisar de todo um aparato psicológico e de reforço da beleza dela para que ela possa não passar pelos mesmos percursos que eu passei e que muitas outras mulheres passam. Essas consequências começam mais cedo do que a gente imagina. E acho que o Bruno e a Giovanna já estão bem atentos a isso. Eles sabem que essa situação não vai ser a última, porque é algo estrutural da sociedade.
P. - No universo artístico existe tanto preconceito quanto nas empresas de outros ramos?
L.G. - A tendência das empresas, de maneira geral, é negar o racismo. Até mesmo no meio artístico. Você ter dois atores negros num universo de 110 milhões de pessoas, não dá pra dizer que você é uma empresa com diversidade. Acho que tanto nas empresas quanto na sociedade, a gente precisa se assumir enquanto racistas e isso contando com os próprios negros. [...] Vou usar uma frase da filósofa Angela Davis, que vem sendo muito compartilhada: "Numa sociedade racista, não basta não ser racista. É necessário ser antirracista". Se você não emprega nenhum negro na sua empresa, você está deixando de empregar metade da população brasileira.
P. - A família Gagliasso tem uma condição financeira boa e são pessoas instruídas. Isso ajuda na celeridade da resolução do caso? Em geral, com pessoas que não são públicas e que não tem uma situação financeira boa, existe o mesmo interesse por parte das autoridades?
L.G. - Certamente ajuda. E ainda vou ser um pouco mais crítica em relação a isso. Acompanhei o caso da Taís Araújo também e tenho a impressão de não ter visto a mesma comoção que vi no caso do Bruno e da Giovanna. Ou seja: as pessoas ainda têm mais empatia para um caso onde uma pessoa branca se pronuncia sobre racismo contra a filha negra, enquanto sobre a Taís, que é uma pessoa famosa e que tem dinheiro, muitas vezes as pessoas comentaram que era mimimi. Acho que o tratamento desses casos é diferenciado não só em relação a classe, mas à própria raça também. Quando a própria Titi for denunciar o racismo que sofre, espero que tenha tanta ou mais adesão do que quando o Bruno faz. Mas ainda sou um pouco cética em relação a isso. Existe um sentimento de empatia seletivo.
P. - O que será que influenciou o discurso de ódio de Day McCarthy?
L.G. - Não cheguei a ver nada sobre a vida dessa mulher e nem me interessa, depois do que ela fez. Mas o sentimento dela é estruturante da sociedade. Ela falou o que muita gente pensa. Não tenho como dizer que é porque ela foi pobre na infância, ou porque eventualmente sofreu algum preconceito, que se tornou um algoz do tema. Acho que ela aproveitou o fato de viver fora do país, se aproveitou das eventuais impunidades, e acabou falando o que muita gente fala por aí, num território capaz de difundir isso à milésima potência e atingir milhões de pessoas.
P. - Recentemente, você escreveu um artigo para o jornal Folha de S.Paulo em que afirma que quanto mais privilégios se têm, menos conseguimos entender o que são os privilégios. O que são os privilégios dos brancos face aos negros?
L.G. - Esses privilégios estão nas pequenas coisas, como por exemplo aprender a falar inglês ou outras línguas na infância. Quando você entra em um lugar e a recepcionista não pergunta onde o branco está indo, mas pergunta onde o negro vai, existe um privilégio para o branco. Você, negro, faz um curso de secretariado e só encontra emprego de telefonista, que fica lá atrás da estrutura, sem contato pessoal, porque sua aparência não permite, não é adequada. Você tem oportunidades negadas. Fora o peso dos olhares.
P. - Pode dar um exemplo real que tenha ocorrido com você?
L.G. - Estava trabalhando outro dia e fui comprar um iogurte que custava 12 reais. As pessoas ficaram me olhando e quando fui pagar, a moça do caixa perguntou se eu tinha o dinheiro. Quase deixei de comprar. Se eu não pudesse comprar, eu não estaria lá. É complicado. Não basta fazer o dobro de esforço de um branco para ter determinado poder aquisitivo. Além disso, você tem que provar que pertence àquele extrato social. Com informações da Folhapress.