Trama paralela a conflito policial faz 'O Mecanismo' uma série política
Série com Selton Mello e direção de José Padilha entrou na sexta-feira na Netflix
© Divulgação/Netflix
Cultura neflix
Duas tramas convivem e se sustentam ao longo dos oito episódios da primeira temporada de "O Mecanismo", série do Netflix criada por José Padilha com roteiro sólido de Elena Soarez. A mais óbvia reconstitui as primeiras etapas da Operação Lava Jato, adaptando, como alerta o letreiro inicial, "personagens, situações e outros elementos para efeito dramático".
Esse fio principal não se distingue muito do modelo de caça a bandidos reduzido à caricatura no filme "Polícia Federal: A Lei É para Todos". De um lado temos um pequeno grupo de agentes incorruptíveis que tenta apanhar um doleiro sobre o qual pesam todas as suspeitas. A partir desse ponto desvela-se uma enorme rede de corrupção que corrói a nação como um câncer, metáfora repisada a cada episódio.
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Para dar personalidade aos lados desse conflito, a série focaliza uma dupla de tipos com trajetórias paralelas. Marco Ruffo (Selton Mello) é um delegado que acredita na justiça, escolheu uma profissão que remunera mal, mas nem por isso cede às tentações. É ético, apesar de tudo. Sua Nêmesis é o doleiro Roberto Ibrahim (Enrique Díaz), antigo colega que enriqueceu desprezando os limites da lei e, desse modo, tornou-se símbolo do que Ruffo pretende aniquilar.
Ao lado de Ruffo, a série fortalece o time dos personagens-com-quem-se-identificar com a presença intensa de Caroline Abras no papel de Verena Cardoni, uma agente que assume a liderança quando Ruffo é afastado.
Mas a ambição de José Padilha não se resume a fazer um bom produto pegando onda no noticiário. Desde sua estreia com "Ônibus 174" (2002), o diretor nunca se contentou apenas em fazer filmes. Como ficou claro nos dois "Tropa de Elite", além do sucesso de bilheteria, Padilha busca provocar respostas sociais, fazer o público reagir à anestesia e aos slogans automáticos.
A enorme atenção concentrada na Lava Jato, nos efeitos das investigações sobre o presente e o futuro imediato do país, não poderia escapar ao oportunismo de Padilha. Por isso, "O Mecanismo" desenvolve aos poucos, quase insidiosamente, outra trama, que justifica, afinal, o título. Nela, revela-se a Ruffo, porta-voz de Padilha, um sistema que vai muito além do megaesquema de corrupção alardeado nas manchetes. A corrupção endêmica, integrada à nossa identidade na forma cordial do jeitinho, é o tema principal que a série apenas esboça na primeira temporada.
Ao introduzir essa questão fundamental, Padilha alcança uma dimensão, de fato, mais política e menos policialesca, mais cotidiana e menos excepcional.
Mais importante, com ela anula-se a possibilidade de assistirmos a "O Mecanismo" como torcedores de futebol, contrapondo "pessoas de bem" e "corruptos", e ficamos impedidos de olhar para a bandidagem enriquecida à custa de todos sem nos ver um pouco ou muito representados ali. Enfiar isso goela abaixo dos assinantes do Netflix não deixa de ser uma audácia.
O MECANISMO
Onde na Netflix
Classificação 16 anos
Avaliação bom
Com informações da Folhapress.