Só 7,5 faixas se salvam em novo disco de Drake sobre si mesmo
'Scorpion' é o quinto álbum do rapper canadense
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Cultura Crítica
Manja aquela crença "se tem fila na porta é porque deve ser bom?" É preciso alguma sagacidade para discernir quando a procura é reflexo de qualidade ou só o efeito manada.
No caso de "Scorpion", quinto álbum do rapper canadense Drake, a dica seria: sim, tem fila na porta, mas lá dentro está meio vazio.
O disco foi notícia primeiro pelos números: em 24 horas, quebrou recordes nos serviços de streaming ao registrar 170 milhões de reproduções na Apple Music e 132 milhões no Spotify.
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Mantendo a lógica matemática: "Scorpion" tem 25 músicas em 90 minutos. Desse total, 7,5 faixas se destacam. Fosse uma partida de futebol, terminaríamos com 30% de aproveitamento.
Michael Jackson, que aparece em um vocal póstumo inédito, é a metade que vale a pena em "Don't Matter to Me".
E, das outras sete, já conhecíamos as duas melhores, não à toa lançadas como singles no começo do ano. "God's Plan", em janeiro, e "Nice For What", em abril. A segunda é aquela com o sample de "Ex-Factor", de Lauryn Hill.
Sobram cinco. Uma boa tesoura faria da megalomania um coeso EP ou um disco honesto de sete ou oito faixas.
Drake, porém, é esperto para formatos. Depois do álbum que não era um álbum, era uma playlist ("More Life"), toda a chinfra que o faz agora colocar na rua um disco duplo com dois "lados" (um de rap, outro de rhythm and blues) é parte desse, digamos, aprimoramento de produto.
O problema é que o garoto é um MC enjoativo. A quantidade de efeitos que ele usa na voz é uma das causas -há dezenas de tutoriais no YouTube que ensinam a soar como ele, além de vídeos que mostram como é seu timbre verdadeiro, sem recursos de softwares.
Apesar de o estilo vocal ter se tornado linguagem e uma estética que o identifica, ao mesmo tempo empastela tudo. O flow metalizado cansa.
Sob o aspecto musical não há muito mais a ser dito. As produções são super ricas, os beats impecáveis, mas em relação à temática ele escreve sobre mais sobre o mesmo (autopiedade, bom-mocismo, reclama do mundo) e rima daquele jeito limpinho, cantado, repetitivo.
Mas há o aspecto cultural de uma dinâmica bastante específica do hip-hop que é central na carreira de Drake. Os "beefs"' e as "diss tracks".
Os primeiros podemos traduzir como "tretas". Desde quando era um pupilo de Lil Wayne, há mais de dez anos, ele compra brigas com outros rappers. A mais longeva é a com Pusha T. "Beefs" estão no berço da cultura hip-hop.
A competição sempre foi elemento importante na cultura de rua, era o que motivava DJs, grafiteiros, b.boys e rappers a superarem uns aos outros. A disputa era saudável, até que perdemos Notorious B.I.G. e Tupac Shakur. Mas essa é outra história.
Voltando à treta de Drake e Pusha T. Não fosse esse "beef", não teríamos a confissão de Drake sobre o filho com a estrela pornô Sophie Brussaux: "Eu não estava escondendo meu filho do mundo/ Estava escondendo o mundo do meu filho". Ahãm.
Isso porque em maio, Pusha T lançava a "diss track" (faixa provocação) "The Story of Adidon": "Você está escondendo a criança/ Deixe o moleque voltar pra casa/ Adonis é seu filho".
Não é exagero dizer que "Scorpion" é fruto dessa treta. Só que como Drake é esse artista maduro, nada mimado e que conhece seu papel como porta-voz de sua geração, a resposta veio em forma de um disco duplo inteiramente dedicado a um tema: ele próprio.
Como na anedota do sapo e do escorpião, em que o aracnídeo pega uma carona prometendo não picar o colega, mas termina fazendo isso e ambos morrem afogados, não se pode fugir à própria natureza.
Pena que a de Drake ainda seja a de um menino talentoso, mas excessivamente ensimesmado.
Scorpion
Avaliação: regular
Drake. Universal Music. Disponível nas plataformas de streaming; lançamento em CD previsto para agosto.