Em 'Boy Erased', autor narra como pais o obrigaram a fazer 'cura gay'
Conley vê as lembranças de sua passagem por um desses centros de "cura gay" ganharem as telas com o filme "Boy Erased: Uma Verdade Anulada"
© Divulgação (Foto de arquivo)
Cultura Livro
GUILHERME GENESTRETI - Aos 19 anos, o americano Garrard Conley foi levado pelos pais a um prédio sem graça em Memphis, no Sul dos Estados Unidos, onde o recepcionista lhe entregou um manual advertindo contra comportamentos efeminados. O código de conduta obrigava meninos a vestir camisa de manga comprida, e meninas, saia abaixo dos joelhos.
Ali, um conselheiro induzia jovens vindos de típicas famílias da região conhecida como Cinturão da Bíblia a confessar em público todos os seus pecados. "Precisam reconhecer o quanto se tornaram dependentes de sexo, de coisas que não são de Deus", dizia.
Hoje aos 33 anos, e casado com um homem, Conley vê as lembranças de sua passagem por um desses centros de "cura gay" ganharem as telas com o filme "Boy Erased: Uma Verdade Anulada", baseado em seu livro de memórias homônimo. Indicado a dois prêmios no Globo de Ouro, o longa do australiano Joel Edgerton ainda não tem data de estreia no Brasil.
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Lucas Hedges é quem revive seu fardo na ficção. O pai, um pastor batista do estado do Arkansas, ganhou a pele de Russell Crowe; o papel da mãe caiu com Nicole Kidman.
"A primeira sensação que tive ao assistir ao filme foi de vergonha", afirma Conley, por telefone, de Nova York. "Me senti envergonhado por ver alguém passando por tanta dor e sofrimento e nunca reagir."
Em seu livro, lançado em 2016 nos Estados Unidos e neste mês no Brasil, o escritor descreve como sua infância foi moldada pelo arrebatamento, a crença cristã na ascensão dos justos pós-fim do mundo.
Seus pesadelos eram povoados por catástrofes bíblicas - oferecimento do pai, vendedor de carros que dizia ter recebido um chamado divino para se tornar pregador.
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Na adolescência, Conley recebeu os seus próprios chamados. Mas eles vinham sob a forma das embalagens de cueca nas araras do Wal-Mart com fotos que o atraíam tanto quanto os versículos mexiam com seu pai. Foi na faculdade, ambiente liberal contra o qual ele tanto havia sido alertado, que seu segredo foi revelado, após um incidente com um colega de quarto.
Filho único, foi enviado para um programa de reorientação sexual mantido pela Amor em Ação, organização fundamentalista cristã sediada no vizinho estado do Tennessee.
Por duas semanas, lhe obrigaram a ler um Caderno dos Vícios e o proibiram de frequentar "lojas seculares" ou manter qualquer contato físico com os demais participantes. Nas oficinas, aprendeu que a falta de esportes podia efeminar os homens.
O método era orientado conforme os 12 passos do grupo Alcoólicos Anônimos, mas com o objetivo de erradicar a homossexualidade, tida como "prima do vício em heroína".
"Só recentemente fui me dar conta de que aquilo era um culto. Hoje parece óbvio, mas para quem foi criado naquele tipo de ambiente, a percepção é um choque", diz Conley.
Para exorcizar seu passado, ele teve que expor no livro os próprios pais.
Nas páginas, ele escreve, por exemplo, que flagrou seu pai assistindo a filmes pornográficos, um pecado para um pastor batista como ele. "Queria mostrar que todos temos nossos segredos", diz, e emenda uma imagem algo bíblica para falar da dosagem da exposição: "Alternei entre momentos de luz e de escuridão para descrevê-los."
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O escritor se tornou pesquisador do assunto das terapias de reorientação sexual, e inclui os Estados Unidos e o Brasil entre países onde o assunto é particularmente agudo. Daqui, diz acompanhar como evangélicos e católicos carismáticos têm se inspirado nas práticas americanas.
Na gestão de Trump, o maior fiador delas é o vice-presidente americano, Mike Pence, notório opositor a leis pró-LGBT e próximo de Tony Perkins, lobista cristão que já afirmou que desastres naturais são punição divina a comportamentos homossexuais.
"Essas terapias estão passando por 'rebranding'", diz o autor, citando jargão da publicidade para quando uma marca escaldada busca se reposicionar. "Mas continuam um abuso, não importa o nome que se dê."
O filme "Boy Erased" chega às telas americanas num momento sensível. Pence enfrenta críticas redobradas desde que sua mulher anunciou que voltaria a dar aulas numa escola na Virginia que obriga funcionários a assinar juramento contra "o estilo de vida LGBT".
Se o livro de Conley tende a frisar a sutileza do que chama de uma tortura psicológica, o longa de Edgerton opta por drama escancarado. Segue convenções do gênero de filmes sobre internações, como "O Estranho no Ninho", e inclui excessos como cenas de Bíblias usadas como porretes.
Para o elenco de apoio, o cineasta escalou o também diretor Xavier Dolan e o cantor Troye Sivan, gays na vida real, mas com uma pinta mais fashion do que os jovens caipiras do livro.
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O escritor parece não se importar com essas licenças poéticas, mas se insurgiu contra a primeira versão do roteiro, que trazia um fim redentor entre o protagonista e o seu pai.
"Temi que o público gay não se identificasse, já que nem todos são aceitos", diz.
Sua relação com o pai tampouco entrou nos eixos. "O filme precisava honrar essa jornada incompleta."
BOY ERASED
AUTOR Garrard Conley
TRADUÇÃO Carolina Selvatici
EDITORA Intrínseca
PREÇO R$ 49,90 (320 págs.)
Com informações da Folhapress.