Argentina tropeça na economia e está a beira de nova moratória
Um dos sinais da fragilidade econômica do país, afirmam analistas, ficará evidente na sexta-feira (22).
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BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) - Apesar de seguir bem avaliado no que se refere à luta contra o novo coronavírus, o governo da Argentina vem sendo questionado por economistas por sua gestão na economia, especialmente no cenário pós-pandemia. Alguns temem até que o país possa sofrer com uma rara associação negativa: recessão e inflação.
O economista Miguel Angel Broda, um dos mais influentes do país, vê um cenário nebuloso. "Vem por aí um choque sem precedentes no mundo, e nós somos um país esquisito, anômalo, com poucas reservas, déficit e sem acesso a linhas de crédito internacionais. As taxas de inflação podem chegar ao mesmo que tivemos nos anos 1980", afirma.
Um dos sinais da fragilidade econômica do país, afirmam analistas, ficará evidente na sexta-feira (22). Nesta data vence o prazo para o pagamento de US$ 503 milhões em juros da dívida que está sob lei estrangeira. O país tem um dívida total é de US$ 65 bilhões.
O governo já indicou que não terá como pagar na data e está avaliando as contrapropostas que chegaram nos últimos dias. Se não houver acordo, o país pode entrar em nova moratória (atraso no pagamento).Seria o nona vez que a Argentina não pagaria compromissos do gênero nos prazos e critérios acertados inicialmente.
O ministro da economia, Martín Guzmán, analisa três contrapropostas recebidas. Encaminharam sugestões os fundos de investimentos Black Rock, Ad Hoc e Exchange.
Os detentores de bônus argentinos no exterior já rejeitaram uma proposta em que o governo se dispôs a pagar apenas 38% dos juros previstos. O governo respondeu que só aceitaria uma negociação que oferecesse solução financeira "sustentável" para a atual situação do país.
Enquanto isso, no ambiente interno, a inflação ainda preocupa. Após fechar o ano com uma alta de 55%, o indicador cedeu nos últimos meses. Em abril, registrou aumento de 1,2%. O ritmo mais moderado de alta, porém, é consequência do momento adverso.
Houve queda no poder de compra dos argentinos, que reduzem gastos para se ajustarem à nova realidade na pandemia. Empresas estão com atividades suspensas e o comércio teve uma queda de 70% desde o anúncio do isolamento, em 20 de março. Também pesa o congelamento de preços de produtos alimentícios decretado pelo governo.
Economistas, no entanto, projetam alta da inflação no pós-pandemia, com o relaxamento do isolamento, que já começou.
Inicialmente, apenas atividades consideradas essenciais, como comércio de alimentação, remédios e combustível, operavam. Num segundo momento, foi permitido que restaurantes introduzissem os sistemas de "delivery" e de "take away" com hora marcada.
No entanto, o robusto setor da gastronomia anunciou que, no último mês, alcançou apenas o equivalente a 15% do resultado em tempos normais.
Para a consultora Ecolatina, o impacto negativo da quarentena na atividade comercial será profundo, com efeitos negativos se espalhando pela economia. A perspectiva é de deterioração dos salários e de instabilidade no mercado de trabalho, que levarão o argentino a adotar uma postura mais conservadora e restrita com seus gastos.
A Ecolatina prevê uma retração de 15% do comércio interno neste ano, o que, se concretizado, terá impacto no crescimento local. Na Argentina, o setor responde a 13,5% do PIB (Produto Interno Bruto).Pelas projeções do FMI (Fundo Monetário Internacional), o crescimento pode ter uma retração de 5,7% neste ano.
O presidente Alberto Fernández, que tomou posse em 10 de dezembro do ano passado, recebeu de Mauricio Macri uma economia já combalida. O PIB teve contração de 2,2% em 2019.
Para o economista Gabriel Caamaño, da consultora Ledesma, "no melhor dos casos, Fernández vai terminar o mandato com o PIB no mesmo nível deixado por Macri. Para voltar a crescer, será necessário o tempo de um um novo mandato, e fazendo as coisas bem."
A taxa de desemprego do país está em 8,9%, mas da base da caneta. O presidente Fernández assinou um decreto, no começo da pandemia, proibindo demissões em empresas públicas e privadas até o fim de maio. Na segunda-feira (18), estendeu o decreto por mais 60 dias. O prognóstico, porém, é que haverá uma primeira onda de demissões tão logo essa intervenção termine.
Para Pablo Dragún, da União Industrial Argentina, a medida foi positiva pelo aspecto a social, mas as empresas que não estão produzindo nada "precisam ter ferramentas para reduzir seus custos".
O governo, porém, não consegue interferir na oferta de trabalho para informais, que representam 35% dos trabalhadores. "As demissões estão suspensas para os trabalhadores formais, mas a quarentena impacta informais, principalmente da província de Buenos Aires (onde esse grupo está concentrado).
Se esse setor não continuar recebendo as ajudas do Estado, haverá uma crise séria", diz Soledad Duhalde, da Abeceb.
Assim como no Brasil, há na Argentina um bônus mensal distribuído aos que não têm carteira registrada, no valor de 10 mil pesos.
Mesmo com atividade deprimida e a projeção de tombo no PIB, muitos especialistas temem a volta da inflação após o fim do congelamento de tarifas e preços de produtos alimentícios essenciais, o que colocaria o país numa situação mais frágil ainda.
Para o liberal Javier Milei, a Argentina "vai entrar na pior crise de sua história, combinando default (não pagamento da dívida) com hiperinflação".
Já Juan Cerruti, do Santander Argentina diz que não vê espaço para uma escalada inflacionária no pós-pandemia. "A recessão vai segurar os preços e tarifas e câmbio vão continuar a ser controlados pelo Estado", diz Cerruti.
A projeção do ex-ministro Domingo Cavallo é que há risco de um crescente isolamento da economia argentina. "Se continuarem com as tendências estatizantes e isolacionistas, teremos hiperinflação, pois já está havendo grande emissão de moeda".
Para fazer frente a um possível aumento da inflação, o Banco Central aprovou a impressão das notas de 5 mil pesos -até agora a de valor mais alto era a de mil pesos.