Risco ambiental do governo Bolsonaro freia avanço do Brasil na OCDE
O Brasil, que atua como convidado no comitê, reivindica o status de participante, que abriria caminho para acelerar o processo de adesão aos instrumentos ambientais da instituição, parte obrigatória do processo de acessão ao órgão
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Economia OCDE
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O comitê de política ambiental da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) cancelou a discussão sobre o upgrade do status do Brasil no órgão, que aconteceria na semana que vem.
O Brasil, que atua como convidado no comitê, reivindica o status de participante, que abriria caminho para acelerar o processo de adesão aos instrumentos ambientais da instituição, parte obrigatória do processo de acessão ao órgão.
A entrada na OCDE, uma espécie de clube dos países ricos, é uma das maiores prioridades da política externa do governo Bolsonaro. Na visão do governo, seria uma maneira de aumentar a confiança no país e atrair mais investimentos.
Em documento obtido pela Folha, o secretário-geral da OCDE, Angel Gurría, havia recomendado que, durante a reunião do dia 9, os membros aprovassem o upgrade do Brasil e a aceleração da adesão aos instrumentos. Ele afirmava que o país cumpria os critérios para se tornar participante e havia demonstrado disposição de colaborar com o comitê.
"O Brasil tem demonstrado disposição para cooperar com o comitê e contribuiu para seu trabalho... compartilhando dados ambientais e melhores práticas", diz o documento do secretariado.
No entanto, após todos os membros do comitê receberem uma carta da ONG de direitos humanos Human Rights Watch com denúncias sobre política ambiental de Bolsonaro, o Brasil foi removido da agenda da reunião do dia 9. Agora, o encontro discutirá apenas o pedido de upgrade da Bulgária, outro país que tenta entrar na OCDE.
"É extraordinário o secretário eliminar o tema da agenda dessa maneira, é um sinal claro de que as desastrosas políticas ambientais de Bolsonaro estão se tornando um obstáculo para a entrada do Brasil na OCDE", diz Daniel Wilkinson, diretor da área de Meio Ambiente e Direitos Humanos da Human Rights Watch.
"O Brasil estava claramente querendo usar esse comitê para fortalecer sua candidatura à OCDE, mas essa tentativa parece ter saído pela culatra."
Procurado pela Folha, o Itamaraty enviou nota dizendo: "O Brasil segue aguardando uma posição dos membros do EPOC (sigla do comitê em inglês) em relação às referidas solicitações, que requerem exame amplo dos membros do comitê em suas reuniões regulares".
O ministério afirmou também que "o governo brasileiro continua a participar ativamente, como convidado, das atividades do comitê", onde "tem contribuído para os debates e apresentado suas políticas na área".
Para ser aceito como membro, além de apoio político dos integrantes da OCDE, o Brasil precisa aderir a uma série de instrumentos (regras) em várias áreas. O comitê que não deu upgrade ao Brasil é o que avalia se o Brasil está cumprindo instrumentos ambientais.
"O Ministério das Relações Exteriores entende que a participação plena no comitê permitirá maior interação e troca de experiências acerca de questões e de políticas ambientais, contribuindo para o aprimoramento das ações brasileiras na matéria mediante diálogo com todos os membros da OCDE, com base em análises e evidências empíricas. O Itamaraty tem acompanhado o processo de adesão do Brasil a 37 instrumentos ambientais da organização."
A assessoria da OCDE foi procurada pela Folha por telefone e email, disse que iria mandaria um comentário, mas não o havia enviado até a conclusão deste texto.
Na carta enviada aos membros do comitê da OCDE, a Human Rights Watch afirma que os "impactos das políticas desastrosas do presidente Jair Bolsonaro para a Amazônia" deveriam desqualificar o Brasil para um upgrade.
"Se os Estados-membros da OCDE elevarem o status do Brasil no comitê ambiental enquanto o governo Bolsonaro despreza os princípios do comitê de forma tão escancarada, isso irá minar a credibilidade do comprometimento do órgão com esses princípios."
O Brasil já fora barrado antes. Ao longo de 2019, o Brasil solicitou a elevação de seu status, de convidado para participante, no comitê de política ambiental das OCDE e reiterou interesse em aderir a 37 instrumentos da área ambiental.
Em reunião de 27 de setembro de 2019, em que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, apresentou as políticas de sua pasta, os membros do comitê não chegaram a um consenso sobre o upgrade e adiaram a decisão -na prática, negando o upgrade.
Na reunião, realizada pouco depois da onda de incêndios na Amazônia que causou rusgas entre o presidente da França, Emmanuel Macron, e Bolsonaro, alguns membros barraram o upgrade do Brasil por causa do aumento no desmatamento e da "falta de monitoramento efetivo e de aplicação de penalidades por parte do governo".
"Outros demonstraram preocupação com o comprometimento político do Brasil", diz o documento obtido pela Folha de S.Paulo.
Uma nova reunião foi marcada para abril de 2020, para que os membros pudessem avaliar os avanços do Brasil nos pontos problemáticos da agenda ambiental e reconsiderar o veto. No entanto, por causa da pandemia, essa reunião foi adiada para 9 de fevereiro de 2021. Agora, mais uma vez, os membros do comitê adiaram a avaliação, na prática, negando.
O governo Bolsonaro tem embarcado em uma ofensiva de relações públicas para corrigir o que considera uma visão distorcida no exterior sobre as políticas ambientais. Estão entre as iniciativas a divulgação dados positivos em relação à Amazônia e campanhas de marketing no exterior.
"O fato de a OCDE nem sequer conseguir discutir a entrada do Brasil como participante do comitê ambiental é constrangedor; em vez de tentar embelezar (greenwash) seu histórico ambiental desastroso, o governo precisa começar a mostrar resultados reais na proteção das florestas e dos defensores do ambiente", diz Maria Laura Canineu, diretora da Human Rights Watch no Brasil.