Menos da metade das negras com filhos pequenos consegue trabalhar, diz IBGE
Entre mulheres brancas, o percentual ficou em 62,6%
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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A histórica desigualdade de inserção das mulheres no mercado de trabalho é maior nos domicílios com crianças de até três anos de idade. Mães com filhos nessa faixa etária participam menos do mercado de trabalho, segundo a pesquisa Estatísticas de Gênero divulgada nesta quinta-feira (4) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
O nível de ocupação (o percentual de pessoas trabalhando em relação às que estão em idade de trabalhar) de mulheres que se identificam como pretas ou pardas com crianças até três anos de idade foi de 49,7% em 2019. Entre mulheres brancas, o percentual ficou em 62,6%.
Na avaliação da historiadora Wânia Sant'anna, pesquisadora de relações étnico-raciais e de gênero, a desigualdade maior na inserção de mulheres com filhos pequenos é explicada pelo baixo percentual de crianças em creches. Segundo o IBGE, a média nacional é de 35,6%.
"Há um conjunto substancial de mulheres que não são atendidas pelo serviço de creche pública. Isso demonstra o desamparo, por parte do estado, na primeira infância e isso tem um impacto fundamental no futuro", diz.
Se somente 35,6% das crianças estão em creches, a responsabilidade pelos outros 64,4% invariavelmente cai sobre as mulheres, afirma a pesquisadora.
"Já seria muito ruim se fossem 50%. Isso não vai dar certo nunca. E é muito pior para as mulheres. O Estado transfere para as mulheres, principalmente as mais pobres, algo que deveria ser responsabilidade de toda a sociedade", diz.
Para Wânia, essa transferência de responsabilidade é contraproducente.
A pesquisa mostra ainda que, para os homens, em média, filhos pequenos reduzem de 75% para 71% o nível de ocupação. Se esse homem for branco, porém, o nível de ocupação é maior se ele estiver em um domicílio com criança de até três anos, chegando a 93%.
Para o IBGE, essas diferenças demonstram o quão importante é a presença de crianças para a capacidade de as mulheres trabalharem ou não.
A pesquisa aponta também poucas mudanças no volume de responsabilidade atribuída às mulheres com afazeres domésticos e cuidados com outras pessoas -o trabalho reprodutivo. Elas dedicam quase o dobro de horas semanais com essas atividades do que os homens.
Essa diferença praticamente não muda no passar dos anos. Em 2019, o trabalho doméstico não remunerado tomava 11 horas dos homens, exatamente o mesmo verificado em 2016. Entre as mulheres, o tempo aumentou de 20,9 horas, em 2016, para 21,4, em 2019.
Para Wânia Sant'Anna, o aumento no número de horas têm relação com as estruturas que atribuem às mulheres a carga maior de cuidados e também os efeitos dos períodos de crise. "Quando o PIB cai, quem sofre de verdade, quem recebe a carga negativa são as mulheres".
A pesquisa mostra ainda que, em relação ao trabalho reprodutivo, há pouca diferença entre homens brancos e pretos ou pardos. A renda também não faz diferença na participação dos homens, mas faz entre as mulheres.
Aquelas entre as 20% mais bem remuneradas dedicam seis horas a menos por semana com atividades domésticas do que mulheres com renda inferior. Isso acontece porque a renda maior permite o maior acesso a creches e contratação de outras pessoas para tomar conta de filhos, pais e dos afazeres domésticos.
Luanda Botelho, pesquisadora do IBGE, diz que outra hipótese para o tempo menor gastos por mulheres de renda maior é o acesso a eletrodomésticos como lavadoras de roupas e louças.
Esse maior envolvimento com demandas domésticas faz com que as mulheres apareçam mais em trabalhos parciais, de menos de 30 horas semanais. Em 2019, cerca de um terço das trabalhadoras estavam ocupadas apenas parcialmente, quase o dobro dos 15,6% registrados entre os homens.
Além de terem maior dificuldade de participar do mercado de trabalho, as mulheres também ingressam com frequência em funções mais precárias, pois precisam conciliar a atividade paga com o trabalho sem remuneração, em casa.
Para Wânia Sant'Anna, há um naturalização do trabalho doméstico não remunerado. A expectativa de que as mulheres possam se dividir entre as duas funções -a com salário e a sem- as deixam mais suscetíveis a empregos no setor de serviços, mais volúveis às crises.
O choque econômico da pandemia de Covid-19 devastou o emprego de maneira generalizada, mas pesou mais sobre as mulheres. No terceiro trimestre de 2020, 8,5 milhões de mulheres tinham deixado a força de trabalho.
"Sem sombra de dúvidas, a situação das mulheres piorou em 2020. O consultório que não abriu, a atendente da academia, as lojinhas. Todo o serviço de restaurante, como cozinha e atendimento. Você tem uma estrutura ocupacional profundamente afetado pela Covid-19, sem falar no trabalho doméstico".
A maior participação em empregos mais vulneráveis leva o rendimento médio das mulheres a 77% do que ganham os homens. Em 2019, segundo o IBGE, eles tiveram renda média de R$ 2.555. Elas, de R$ 1.985.
A desigualdade é ainda maior naqueles cargos e carreiras considerados de alta qualificação. Entre diretores e gerentes, o rendimento médio dos homens foi de R$ 7.542, 61,4% mais do que os R$ 4.666 recebidos pelas mulheres nas mesmas funções.
Segundo o IBGE, o rendimento médio das mulheres só é superior ao dos homens em funções nas Forças Armadas, polícias e bombeiros militares. No período da pesquisa, elas recebiam R$ 5.164, em média, e eles R$ 4.899.
As Estatísticas de Gênero mostram também como, no caso das desigualdades entre os gêneros, as dificuldades maiores das mulheres não podem ser atribuídas à educação. Em média, elas têm mais instrução formal do que os homens.
Na população com 25 anos ou mais, 40,4% dos homens não tinham instrução ou possuíam apenas fundamental incompleto, proporção que era de 37,1% entre as mulheres. Já a proporção de pessoas com nível superior completo foi de 15,1% entre os homens e 19,4% entre as mulheres.