Congresso rejeita uso de MPs para rever mercado de capitais e crédito
Estão previstas sete MPs (medidas provisórias)
© Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
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BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O Congresso já se mobiliza contra um pacote em preparação pela equipe econômica com medidas para destravar o crédito e aquecer o mercado de capitais. Estão previstas sete MPs (medidas provisórias). Ao menos duas já são contestadas por líderes partidários da Câmara, que só aceitam as mudanças por meio de projeto de lei.
Caso as propostas sejam levadas adiante dessa forma, os parlamentares avaliam que o ministro da Economia, Paulo Guedes, estará "queimando pontes", com possíveis custos políticos. O grupo pretende centrar fogo contra Guedes junto ao presidente Jair Bolsonaro e à ala militar do Planalto.
Desde a eleição nas duas Casas do Congresso, em que o Planalto apoiou Arthur Lira (PP-AL) para a presidência da Câmara, e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para o Senado, o governo decidiu colocar Guedes novamente na discussão política dos projetos da pasta.
A Folha teve acesso à minuta das duas principais medidas –uma delas modifica a lei das companhias de capital aberto e a outra cria novas regras de garantias para quem pretende tomar crédito, como a possibilidade de hipotecar aplicações em previdência complementar.
Embora a Casa Civil esteja discutindo essas MPs com a equipe econômica, a SAJ (Subchefia para Assuntos Jurídicos) da Presidência da República ainda não recebeu o pacote oficialmente, o que deve ocorrer nas próximas semanas, segundo pessoas que participam das discussões.
Desde o início dos debates, as duas MPs foram questionadas pelos técnicos do Planalto por modificarem leis vigentes, com impacto considerável sobre o mercado de crédito e de capitais. Para eles, o ideal seria enviá-las como projeto de lei.
No entanto, ouviram de integrantes da equipe econômica que Guedes pretende reforçar o papel do mercado como propulsor do crédito no momento da pandemia e, para isso, quer efeito imediato, algo que só é possível por MP.
O ministro quer estimular grandes empresas a buscarem crédito com soluções de mercado –captação de recursos via emissão de dívida, por exemplo. Ao mesmo tempo, quer dar aos pequenos e médios empreendedores a chance de conseguir crédito liberando garantias existentes e que hoje estão subutilizadas.
Essa estratégia, segundo assessores do Planalto, está em curso com bancos públicos –Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil.
Ambos estão ampliando aos poucos a oferta de dinheiro novo para pequenas e médias empresas, enquanto as grandes se capitalizam com operações de mercado (lançamento de papéis, por exemplo). Este movimento, no entanto, só ocorreu graças ao socorro do governo, que lançou programas de estímulo como o Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte).
Para isso, a equipe econômica pretende modificar as regras das garantias em operações de crédito. A proposta é criar uma grande central de garantias, uma entidade similar aos birôs de crédito, tendo como sócias as próprias instituições financeiras.
Elas depositariam suas garantias na central, que passaria a remanejá-las. Guedes considera que atualmente essas garantias são subutilizadas.
Hoje, uma hipoteca de R$ 100 mil, por exemplo, em um imóvel de R$ 1 milhão bloqueia a diferença (R$ 900 mil) para lastrear outros empréstimos. É isso o que a Economia pretende mudar agora.
Com mais recursos e diluindo o risco com um grupo de bancos (na central de garantias), o crédito pode aumentar e seu custo cair.
Outra inovação será a possibilidade de hipotecar aplicações de previdência complementar e seguros de vida na hora de tomar financiamentos –modelo vigente nos EUA e que atende aos interesses de bancos.
Outra MP pretende dar mais poder aos acionistas das empresas de capital aberto. A ideia é modificar a Lei das S.A. e permitir que assuntos hoje tratados pelo conselho de administração (comitê que decide os rumos da empresa a serem implementados pelo presidente e seus diretores) sejam decididos pela assembleia geral de acionistas.
Dentre eles, estão a venda de ativos (quando o negócio representar mais da metade dos ativos) e as transações com partes relacionadas.
No mercado financeiro também houve críticas, principalmente à mudança na lei das empresas de capital aberto. O assunto foi discutido recentemente em videoconferência entre representantes do governo, investidores e operadores do mercado.
A proposta da Economia foi questionada por advogados que representam grandes corporações com ações em Bolsa porque, segundo eles, ela enfraquece a governança das empresas que hoje separam o comando operacional (feito pela diretoria) do comando estratégico (pelo conselho de administração) –forma de blindar a companhia de conflitos de interesse ou de abuso de poder do acionista controlador.
Uma das mudanças que mais gerou desconfiança é a que abre uma exceção para que a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) autorize empresas com faturamento anual acima de R$ 500 milhões a concentrarem no presidente a função de gestão operacional e, ao mesmo tempo, a chefia do conselho de administração.
A avaliação é de que essa flexibilização gera problemas, especialmente em estatais onde, recentemente, o presidente Jair Bolsonaro interferiu indicando aliados para o comando.
Foi assim na escolha do presidente da Petrobras, general Joaquim Silva e Luna, e no Banco do Brasil, com a indicação de Fausto Ribeiro.
Em ambos os casos, o governo queria ditar regras para a condução das empresas. No caso da petroleira, usar o seu caixa para amenizar os impactos dos aumentos de preços dos combustíveis. No BB, Bolsonaro foi contra o programa de demissões voluntárias no momento de alta no desemprego.
Para a equipe econômica, essa MP irá fortalecer o papel do acionista nessas empresas no momento em que a Bolsa quase dobrou o número de investidores, chegando a 3,3 milhões neste ano.
Procurada, a CVM não respondeu aos questionamentos da reportagem. Por meio de nota, disse que "acompanha as discussões existentes envolvendo possíveis aprimoramentos na legislação que disciplina o mercado de capitais brasileiro e, na medida do necessário, ajusta sua regulação de forma a refletir os impactos de alterações legislativas".
O Ministério da Economia disse que não comenta medidas não anunciadas. Julio Wiziack