Seca no rio Paraná trava exportações da Argentina
A Argentina é o principal exportador mundial de farinha e óleo de soja e o terceiro de milho
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BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) - As províncias argentinas de Formosa, Chaco, Corrientes, Santa Fe, Entre Ríos, Misiones e Buenos Aires estão em emergência hídrica até, pelo menos, o final de setembro.
A região sofre com os efeitos da maior seca rio Paraná em mais de 70 anos. A crise afeta, principalmente, o porto de Rosário, por onde costuma escoar nada menos que 80% das exportações argentinas.
A situação é ainda mais dolorosa porque o baque climático oco rre no momento em que o país vive um recorde na safra da soja. Nesta temporada, a Argentina produziu 38,7 milhões de toneladas, segundo a Bolsa de Comércio de Rosário, favorecida pela escalada do preço do produto, que chegou a US$ 600 (R$ 3.125) por tonelada, considerando o preço do grão na Bolsa do Chicago.
A Argentina é o principal exportador mundial de farinha e óleo de soja e o terceiro de milho.
As imagens são impactantes. Segundo o INA (Instituto Nacional da Água), o nível do Paraná está em 0,20 metro no porto de Rosário. Na mesma data, em 2020, estava a 1 metro. E, em 2019, em 4,49 metros.
"A falta de chuvas vem se intensificando desde 2019. Até então, por volta de 2.500 navios de grande porte saíam, a partir de Rosário, para levar as exportações argentinas ao exterior. Mas esse volume tem diminuído muito, em até 25% do fluxo normal", diz Alfredo Sese, secretário da Comissão de Transportes da Bolsa de Comércio de Rosário.
Segundo dados da entidade, as perdas do setor agroexportador argentino, entre março e agosto, ficarão em torno de US$ 315 milhões (cerca de R$ 1.600).
A escassez de água vem desde a nascente do rio Paraná, no Brasil, e atrapalha todo o fluxo de produtos dos rios Paraguai e Paraná. Entre eles, o principal é a soja, mas também são afetadas as exportações de milho, farinha e combustível. Por conta disso, os mais de 30 terminais que ocupam 70 km (quilômetros) de costa perto da cidade de Rosário estão praticamente parados.
Os exportadores estão buscando outras rotas, que exigem mais gasto em logística, portanto aumentando o valor dos produtos. A alternativa mais comum tem sido levar a carga até Bahía Blanca, a 750 km ao sul, onde ainda assim só se pode embarcar 60% do usual. Outra alternativa é carregar em Montevidéu, no Uruguai, ou diretamente no Brasil.
"Não calculamos que as coisas possam melhorar até o período de chuvas, no ano que vem. A previsão que temos é que a seca no sul [centro-sul] do Brasil continue por ao menos mais três meses. Ou seja, pode cair o nível do rio ainda mais", diz Isaac Hankes, da consultoria climática Refinitiv.
"As perdas não são apenas pela redução do que podemos carregar, mas também porque, ao parar no Brasil, os barcos preferem levar o produto brasileiro aos importadores, porque fica muito mais caro seguir a viagem até aqui", diz Gustavo Idígoras, da Câmara da Indústria do Azeite da Argentina.
Para Luis Zubizarreta, da Câmara de Portos Privados da Argentina, os fretes estão ficando muito caros. "Estamos calculando que são US$ 10 [R$ 52] a mais por tonelada. No ano todo, a perda pode chegar a US$ 400 milhões [pouco mais de R$ 2.000]".
O Instituto Nacional da Água prevê que, no final de setembro, o nível do Paraná seja o mais baixo de sua história, caindo para menos de 0,15 m. Como parte das medidas neste período de emergência hídrica, o governo pediu que a população de Rosário e região faça um "uso responsável do consumo", embora não tenha estabelecido restrições.
De acordo com o Inta (Centro de Investigação de Recursos Naturais do Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária), os problemas de logística do porto de Rosário são bastante graves, porém não são os únicos que merecem atenção do estado.
A falta de água na região prejudica o abastecimento da população, a pesca, o transporte fluvial de madeira, a pecuária e a apicultura, segundo um relatório recém-publicado.
A seca também está afetando a usina hidrelétrica de Yacyretá, compartilhada por Argentina e Paraguai, que está operando com 50% de sua capacidade e com apenas 12 de suas 20 turbinas.
"A crise afeta a geração e a quantidade de energia que podemos entregar para os dois países, e o que se pode esperar é que isso acabe impactando também num aumento das tarifas dos consumidores de energia", diz Ignacio Arrechea, diretor da binacional Yacyretá.
Na divisão entre os dois países, 90% do que se produz em Yacyretá vai para a Argentina, e 10% para o Paraguai.
O governo argentino, após mais de um ano de congelamento de tarifas e de preços por conta da pandemia, começa a realizar ajustes -mas cada vez mais delicados uma vez que, em novembro, há eleições parlamentares.
Ambientalistas também estão preocupados com a situação. "Estamos assistindo a um autêntico holocausto ambiental. Trata-se do resultado direto de uma série de intervenções vinculadas à expansão do extrativismo angroindustrial", diz Rafael Colombo, da associação argentina de advogados ambientalistas.
"A hidrovia Paraná-Paraguai, por estar sobrecarregada e pelas mudanças do clima, está assistindo a deterioração dos bosques, da selva e do solo da região, que deixa de absorver água e de ser fértil como antes."
E conclui: "é um processo de desertificação de todo um sistema, por isso não pode ser visto apenas como uma crise pontual."